Os anos de pontificado de Bento XVI foram de intenso trabalho no campo ecuménico, embora na maior parte dos casos esse esforço tenha sido mais de aprofundamento doutrinal do que mediático.
No que diz respeito ao diálogo com as Igrejas Ortodoxas, a segunda maior comunhão cristã do mundo, realizou-se um trabalho sério e profundo de discussão sobre questões de doutrina central. Ao longo dos últimos anos do seu pontificado, uma comissão mista discutiu o papel do Papa na Igreja do primeiro milénio, quando não existia separação.
A nível de contactos pessoais, note-se que a eleição de Bento XVI veio melhorar as relações com a Igreja Ortodoxa da Rússia, que tinha uma relação mais difícil com o polaco João Paulo II. Mesmo assim, e apesar de se ter falado repetidamente na questão, Bento XVI não foi o primeiro Papa a visitar Moscovo nem tampouco se encontrou com o seu Patriarca. Esse feito caberia a Francisco, seu sucessor, que se encontrou com Kirill, de Moscovo, numa visita a Cuba em 2016.
A excelente relação entre o Papa Bento XVI e o Patriarca Bartolomeu de Constantinopla, “primus inter pares” dos líderes ortodoxos, manteve-se, com vários encontros entre os dois. Os frutos desta relação viram-se já na missa de inauguração do pontificado do Papa Francisco, com Bartolomeu a marcar presença e a receber uma saudação especial de Francisco durante o abraço da paz.
Anglicanos cada vez mais longe
Talvez o campo mais polémico a nível ecuménico durante o pontificado de Bento XVI tenha sido do diálogo com a Igreja Anglicana.
Após décadas de trabalho de uma comissão mista, a ARCIC, a verdade é que a abertura da Igreja Anglicana à ordenação de mulheres e a crescente aceitação de práticas homossexuais afastou irremediavelmente qualquer ilusão de reunificação.
A publicação, em novembro de 2009, da constituição apostólica “Anglicanorum Coetibus” veio confirmar a descrença da Santa Sé no sucesso do diálogo ecuménico com aquela Igreja.
O estabelecimento de um ordinariato pessoal (espécie de diocese sem limites geográficos, ao estilo da diocese para as Forças Armadas) para ex-anglicanos que queiram aderir ao Catolicismo, mantendo todavia vários aspetos da sua identidade litúrgica e espiritual, abriu uma porta às alas mais conservadoras da Igreja Anglicana -- que acabou a ser abraçada por vários milhares de pessoas em todo o mundo, incluindo um número significativo de padres e bispos, entre eles muitos padres casados que foram ordenados novamente na Igreja Católica nessa condição. Os bispos casados foram recebidos apenas como sacerdotes.
Esta exceção aberta para a ordenação de homens casados foi recordada mais tarde quando Bento XVI participou num livro que acabaria por ser polémico, argumentando contra a eventual ordenação de homens casados na Amazónia, para fazer face à escassez de padres naquela região.
Muitas pessoas envolvidas no diálogo com anglicanos ficaram chocadas ao saber que todo o processo do “Anglicanorum Coetibus” foi preparado sem que a ARCIC, ou a hierarquia da Igreja Anglicana, tivessem sido avisadas.
Contudo, os conservadores favoráveis à Igreja Católica na Comunhão Anglicana fizeram aumentar a tendência liberal desta, afastando-a cada vez mais de Roma e acentuando o seu caráter protestante.
Uma volta de 360º
Uma das acções mais polémicas do pontificado de Bento XVI surgiu durante a tentativa de reaproximação aos tradicionalistas da Fraternidade Sacerdotal de São Pio X (FSSPX), conhecidos como lefebvrianos por causa do já falecido arcebispo Marcel Lefebvre, que foi excomungado em 1988 por ordenar quatro bispos sem autorização de Roma.
Após anos de diálogo, o Vaticano fez uma proposta formal à FSSPX para reintegrar a Igreja e normalizar o seu estatuto. Quando tudo indicava que a reunificação estava consumada, contudo, deu-se um revés e, nas palavras do próprio líder da sociedade, voltou tudo à estaca zero.
As negociações não foram dadas como terminadas, e têm continuado durante o pontificado de Francisco. O estilo e do atual Papa e algumas das causas que tem promovido, tem levado a reações por vezes muito hostis da FSSPX, mas por outro lado Francisco tem sempre usado um tom respeitoso quando fala deste grupo, afirmando que é católico e dando aos seus sacerdotes as faculdades de presidir a celebrações de casamento e a confessar licitamente, pelo que a resignação de Bento XVI não parece ter afastado totalmente a possibilidade de reintegração plena da FSSPX na Igreja.