Num fim de semana caótico para os principais hospitais públicos do país, com os números de infetados por Covid-19 a disparar e filas de ambulâncias à espera para dar entrada de doentes nas urgências, Ana Gomes voltou à carga para que se avance já na requisição civil dos privados de saúde.
No final da visita a dois quartéis de bombeiros voluntários - um em Carnaxide, outro em Odivelas - e depois de passar pela esquadra da Polícia de Segiurança Pública (PSP) na Póvoa de Santo Adrião, a candidata presidencial disse aos jornalistas que acompanham a campanha presidencial na estrada que não se pode "continuar a ter os nossos hospitais sob pressão".
E depois Ana Gomes começou a disparar em quase todas as direções, dizendo que este "é o momento de pedir aos operadores privados para trabalhar na convergência de esforços" e acusando o atual Presidente da República e recandidato de ter "travado a possibilidade de uma melhor utilização da capacidade instalada dos privados em termos justos".
A acusação é recorrente, com a candidata a apontar o dedo ao "senhor Presidente da República que condicionou o Governo", que tem havido "preconceito ideológico feito de parte a parte" e, por isso, diz não perceber "porque ainda não se passou à requisição civil, sobretudo quando se admite que os privados não têm querido assumir a responsabilidade em relação aos doentes Covid".
Aliás, diz a candidata, "este não é o momento de preconceitos ideológicos, este é o momento de unir e mobilizar todos os recursos", acrescentando que "o governo tem feito muito", mas que gostava de não o ver "sucumbir àqueles que defendem interesses privados, alguns que se dizem até socialistas", falando em específico de Óscar Gaspar, ex-secretário de estado da Saúde e agora presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada.
A ex-dirigente do PS, que não tem o apoio do partido em que milita, insiste, assim, que há "um preconceito ideológico contra pôr os meios que existem ao serviço do Serviço Nacional de Saúde a um preço justo, sem o lucro que os privados podem fazer em muitas outras áreas". E é com isto que a candidata quer acabar.
A seguir veio mais uma mordidela nos calcanhares de Marcelo que ontem disse que seria "uma aventura" mudar de Presidente da República a meio de uma pandemia.
Sem mais, a candidata dá o exemplo do que aconteceu recentemente nos Estados Unidos da América, onde "os americanos foram às urnas numa mobiização excepecional para se verem livres de um Presidente da República que não servia os americanos e o mundo e todos respirámos de alívio e não foi obstáculo estar em pandemia".
Questionada se Marcelo se compara a Donald Trump, a candidata diz que não, mas vai dizendo que "o professor Marcelo Rebelo de Sousa é responsável pela subida dos adeptos de Trump no nosso país, normalizando as forças políticas que fazem de Trump um herói".
Numa espécie de dois em um, Ana Gomes atira ao alvo principal, Marcelo e ao outro alvo da campanha, André Ventura, o candidato presidencial e líder do Chega.
Ventura e Trump para Ana Gomes "seguem a mesma metodologia, pregam o ódio a divisão e insegurança, cavalgam um sentimento de zanga dos cidadãos, mas que não oferecem soluções que não sejam mais ódios, mais insegurança e mais divisão e a destruição da democracia".
Mas, voltando a Marcelo Rebelo de Sousa, a candidata presidencial atribui-lhe "tremendas responsabilidades", chamando o presidente-candidato a jogo criticando-o pelo "simples facto de prescindir de fazer campanha", para depois ironizar e referir que "entre ontem e hoje" está a seguir-lhe "os passos" na visita aos bombeiros.
Ana Gomes acusa ainda Marcelo de ter estado "em campanha eleitoral nos últimos cinco anos, mas esta campanha é exactamente para ele assumir compromissos".
E ficam as questões: o que fez o Presidente da República para que "os bombeiros tivessem o apoio que merecem, ou nas forças de segurança para que não fossem infiltradas pela extrema direita?", rematando com um "não, aí não vimos o professor Marcelo Rebelo de Sousa fazer nenhum gesto nem dizer nada".
Logo a seguir a candidata socialista move-se em terreno próprio do centro de direita e sobretudo nos últimos tempos de André Ventura, dizendo que não se conforma "que tenha havido este desinvestimento tremendo nas forças de segurança em resultado das políticas neo-liberais".
Mais uma farpa ao líder do Chega para dizer que esta "é uma responsabilidade daqueles que não cuidaram de impedir infiltrações da extrema-direita nas polícias, que não cuidaram de equipar e pagar devidamente aos agentes de segurança, assim se dá força aos que querem destruir a democracia".
O que está em causa nestas eleições, no fundo, é uma questão de escolha entre quem "quer apoiar efectivamente as forças de segurança e os que querem apoiar a segurança colectiva, quer sejam bombeiros, profissionais saúde, polícias ou Forças Armadas e os que têm trabalhado para enfraquecer o Estado".
Acabada a longa ronda de perguntas e respostas com os jornalistas, na Póvoa de Santo Adrião, a candidata foi abordada, aparentemente de forma espontânea por um rapaz de 12 anos que a candidata pensou ser "ucraniano", pelo tom de pele e de olhos muito claros.
Mas não, tratava-se de um pequeno português de gema, que lhe fez novas perguntas sobre "esta coisa do confinamento" e com o miúdo a assumir que "as crianças não estavam preparadas para o novo ano" escolar.
Ana Gomes aproveitou uma nova pergunta do pequeno David Almeida para dar mais uma canelada a Marcelo que "devia fazer campanha e sobretudo dizer a pessoas como tu e aos teus pais e avós, o que se propõe fazer se for reeleito", criticando que "ele até agora foi muito bom nos beijinhos e nos abraços, mas não chega", concluindo com um "olha, não ajudou aqui a PSP a ter os meios de que precisa, os bombeiros a terem os meios de que precisam".
A antiga euro-deputada perguntou então ao jovem o que gostava de ser em adulto, com David a responder que "gostava de ser Presidente da República, e se calhar podia ser realizável", com intenção de "melhorar o financiamento de Portugal e proteger os portugueses e as portuguesas e pessoas de outros países".
Esta última deixa do miúdo deixou a candidata eufórica, aproveitando para dizer que o país precisa "dessas pessoas, quanto mais diversidade mais riqueza" e que não se pode "continuar a mandar pessoas para fora".