O presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, vira-se para o seu vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, e atira: “Este é que parece que é o Salgado mau. Mas é desde que o Salgado mau chegou que menos gente está a abandonar o centro histórico da cidade."
A tirada do presidente da Câmara de Lisboa surgiu já a meio da discussão da Assembleia Municipal de Lisboa, durante esta terça-feira, que foi dominada pela questão da pressão turística sobre a habitação, assim como a resposta que a autarquia está a dar ao fenómeno. Nesta matéria, para a oposição, pelo menos a dos partidos de esquerda, as políticas da autarquia não estão a servir os interesses da população.
Medina defendeu-se afirmando que no Porto, tal como noutras cidades europeias, também a pressão do turismo está a levar a transformações, mas não alinha nos discursos do “antes é que era bom”.
“Mas antes não se entrava na Mouraria ou em Alfama e os lisboetas não queriam lá viver. Não punham lá os pés”, lembrou.
Já vem tarde ou melhor tarde que nunca?
Medina respondia ao deputado do Bloco de Esquerda, Pedro Ivo Cruz, que antes tinha dito que o PS nada tinha feito pela habitação social em Lisboa. O bloquista revelou-se pasmado que o mesmo executivo que tem dado força “a monocultura hoteleira” queira agora lançar o programa de rendas acessíveis. “Foram 10 anos perdidos pelo PS”, concluiu.
O Bloco mostrou-se surpreendido que o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, pegasse só agora numa ideia antiga do partido: a de que 25% do edificado municipal fosse para habitação com rendas controladas. Cruz acusou o Medina de ser responsável “pela expulsão de mais pessoas do centro da cidade”.
O presidente da autarquia anunciou na reunião de Assembleia Municipal que está a ser ultimada a primeira operação de renda acessível e usou o tema para afirmar que, se no passado a questão da habitação se jogou na renovação dos bairros, agora o desafio é outro.
“Hoje o direito à habitação joga-se no acesso da classe média a uma casa”, disse Medina. A autarquia está agora a primeira fase do projecto de renda acessível com a recuperação de 15 prédios para 123 famílias, a preços entre os 150 euros e os 300 euros. No entanto, só em 2021 é que haverá a ocupação das primeiras casas.
São T0 com 35 m2, T1 com 52 m2 e T2 com 72 m2. A exploração será dada a privados durante 70 anos. Serão 270 milhões em património municipal e 680 milhões de investimento privado.
“Se deveria ser mais alargado? Deveria, mas o importante é começar”, afiançou o autarca, garantindo que esta é a única resposta de fundo que o Estado pode ter para atrair a classe média para a cidade.
“Sim, porque em Portugal as famílias não ganham nem três mil, nem quatro mil, nem cinco mil euros por mês, ganham mil. E a pergunta hoje é como é que alguém da classe média pode viver em Lisboa?”, perguntou.
A oposição de esquerda criticou ainda que já vem tarde este programa de rendas e que a Câmara tem feito propaganda enganosa com ele, ao que Medina respondeu que foi por se pensar dessa forma que nunca se avançou. “Seria tolo dizer que isto se fazia em dois anos e que havia casas prontas em 2017”, argumentou.
O presidente da Câmara de Lisboa disse ainda que se este modelo de programa funcionar que haverá mais casas para atribuir.
“Máfia da ocupação a dias”
O PCP, por outro lado, afirmou que nesta matéria o principal problema que a cidade vive é o do “arrendamento a dias” do turismo local, a quem chamou de “máfia da ocupação a dias”. Este fenómeno, segundo os comunistas, já atinge Cacilhas e Almada. “Até lá já não há gente da classe média que aí possa viver. Os preços duplicaram”, disse o deputado Modesto Navarro.
“Um casal consegue fazer num mês aquilo que não ganharia num ano no arrendamento normal, e essa é a tragédia de Lisboa. Obviamente que o preço do metro quadrado é arrasador, casas que se vendiam por 200 mil euros vendem-se agora por 400 mil”, disse Navarro.
O mesmo deputado disse que se nada for feito dentro de dois anos a cidade estará descaracterizada. “Lisboa está em perigo”, criticou o deputado do PCP.
O presidente da Câmara de Lisboa contrapôs a esta visão, a ideia de que o alojamento local não é mau na globalidade. O autarca referiu que nem todo é resultado de operadores especializados, e que houve famílias que para sobreviver à crise e poder pagar os seus compromissos com os bancos foram obrigadas a fazer estes alugueres de curta duração.
“Foi uma almofada para a classe média”, especificou.
No final, Medina lembrou que a discussão do turismo não é conjuntural. “Esta é uma realidade estrutural, será um debate permanente e nunca mais deixaremos de discutir este tema”, rematou.