Entrámos numa nova fase do discurso político governamental. Com a redução das restrições por causa da pandemia e a chegada dos primeiros cheques da “bazuca” europeia, o otimismo prevalece naquele discurso, até porque os números do INE parecem mais favoráveis do que se receava. Otimismo a que não é alheia a proximidade das eleições autárquicas.
Importa, porém, ter presente que a crise social ainda está para chegar, como alertou Rita Valadas, presidente da Caritas, em entrevista à Renascença e ao Público.
Tem vindo a aumentar o número de pessoas que recorrem à solidariedade social para sobreviverem; nada indica que essa tendência se inverta no futuro próximo, pelo contrário. Por outro lado, suscita alguma perplexidade a subida para cerca do triplo da dívida do Estado às empresas.
É que, em março do ano passado, quando a pandemia se manifestou em força entre nós, o Governo prometeu diminuir essa dívida, até para ajudar financeiramente inúmeras empresas.
É verdade que, entretanto, se concretizaram algumas modalidades de apoio a empresas em dificuldades financeiras – mas o falhado compromisso do governo de reduzir a sua dívida às empresas não foi uma delas.
Em causa encontra-se o Estado central, não os municípios nem as regiões autónomas. Os poderes autárquico e regional têm pago as suas dívidas dentro dos prazos estabelecidos, o que se saúda.
Já a administração central tinha em finais de junho passado uma dívida global a fornecedores de 1.624 milhões de euros, verba três vezes superior à registada no final de 2020.
Este é um problema crónico do Estado português, que desde há décadas se tornou um Estado caloteiro. Dir-se-á que, embora tarde e a más horas, o Estado acaba por pagar.
Mas os atrasos na liquidação de dívidas estatais a fornecedores provocam sérios problemas de tesouraria nas empresas envolvidas.
O mais grave, porém, é a mensagem desmoralizadora que esta situação transmite à comunidade empresarial: se o Estado não paga a tempo e horas, por que motivo deverão as empresas comportar-se de outra forma?
A verdade é que as empresas têm conseguido diminuir prazos de pagamento e dias de atraso, apesar do mau exemplo governamental.
Agora, com os milhões da “bazuca” europeia, o Governo fica sem desculpa para não cumprir o que prometeu. Veremos.