O bastonário dos médicos manifestou esta sexta-feira apreensão com a “pretensa reforma” que está ser introduzida no SNS, destacando a criação de Unidades Locais de Saúde, por considerar que a experiência com estas unidades não tem corrido bem em Portugal.
“Eu digo pretensa reforma porque um dos aspetos da reforma tem a ver com a criação das Unidades Locais de Saúde [ULS] e eu tenho as maiores reservas sobre as mudanças que estão a ser implementadas”, porque a experiência em Portugal demonstra que não ajudaram a resolver os problemas, disse Carlos Cortes, que falava à Lusa a propósito do Dia Nacional de Saúde, assinalado hoje.
O bastonário da Ordem dos Médicos (OM) disse que visitou esta semana a ULS do Baixo Alentejo e o Hospital de Beja, que integra esta unidade, “está a desaparecer”, uma situação que considerou preocupante e que disse já ter transmitido ao ministro da Saúde.
“Estão a perder profissionais e dentro de muito poucos anos se nada for feito, serviços basilares da atividade hospitalar vão desaparecer e vão ter que encerrar criando uma grande dificuldade para aquela área [Beja]”, alertou.
“Falei agora de Beja, mas podia falar de Portalegre, de Santiago do Cacém, da Guarda, de Castelo Branco, de Bragança, que são as sedes de distrito onde estão outras ULS”, disse, observando que são os locais onde se sentem “as maiores dificuldades de resposta” às populações.
Carlos Cortes citou relatos dos profissionais que afirmam que "as ULS não foram de todo uma mais-valia, não ajudaram em nada a resolver os problemas”, muitos deles relacionados com a interioridade.
Perante esta situação, lamentou que as ideias iniciais que levaram à criação do SNS estejam “a evaporar-se passados 44 anos, em que o fator de coesão está a desaparecer”.
“Há grandes assimetrias no país em termos de resposta à Saúde. Infelizmente não posso dizer que os doentes de algumas zonas do país, nomeadamente do interior ou até de grandes cidades como Lisboa, estejam a ter neste momento as mesmas condições que outros doentes no país”, lamentou.
Além disso, observou, “há um esforço absolutamente brutal e incomportável das famílias para poderem ter um nível mínimo de cuidados de saúde (…) e, infelizmente, um total desrespeito pelo papel dos profissionais de saúde”.
O bastonário recordou as palavras proferidas por António Arnaut, considerado o “pai” do SNS, que referia sempre que o maior valor do SNS são os seus profissionais.
Por isso, vincou, hoje é “um dia de celebração” e de sublinhar a importância do Serviço Nacional de Saúde, que a OM irá evocar hoje numa cerimónia simbólica em Coimbra, a "Rega da Oliveira do SNS", para recordar “o bem que o SNS trouxe às pessoas”.
"Mas, apesar de ser um dia de celebração, não podemos deixar de pensar numa outra vertente que é a responsabilidade que o país tem de acarinhar e de manter um serviço público que está em grandes dificuldades e numa altura em que as famílias atravessam dificuldades financeiras, sendo que Portugal é dos países no quadro da OCDE em que as famílias mais gastam com a sua saúde (cerca de 30%), o que acaba por ser limitador do acesso aos cuidados de saúde e aos medicamentos", afirmou.
Carlos Cortes lamentou ainda o facto de o Ministério da Saúde não ter sabido criar condições para reconhecer o papel dos médicos no SNS e de lhes dar condições, a vários níveis, nomeadamente remuneratórias para se poderem manter e fixar no SNS.
“Hoje esta nova geração olha para o Serviço Nacional de Saúde de uma forma totalmente diferente. Olha para um sistema de saúde a desmoronar-se de dia para dia. Em vez de construção, é destruição, e não vemos uma resposta do ponto do ponto de vista do poder político”, sustentou.
Carlos Cortes anunciou que, perante “a total incapacidade dos políticos” de resolverem os problemas do SNS, a OM vai traçar para os próximos tempos “um conjunto de trabalhos, de documentos, grupos de trabalho, para colmatar esta falha do poder político”, apresentando “soluções que o país precisa para reestruturar, reformar verdadeiramente o Serviço Nacional de Saúde, que está a perder completamente a sua capacidade de resposta para os portugueses que cada vez mais se dirigem ao sistema privado”.