​A emoção da Áustria encostada à esquerda, o aborrecimento da França e do Grupo C (o dia 12 do Euro)
26-06-2024 - 06:55
 • Francisco Sousa

Áustria fecha o grupo na primeira posição e relega a França para o segundo lugar. Inglaterra aborrece mas segue em frente como líder

*veja os resultados, as contas dos grupos e as estatísticas dos jogadores

A organização defensiva eslovena e o aborrecimento à la Southgate

Não foi bonito o nível exibicional da Inglaterra nesta fase de grupos. Apesar de ter terminado em 1º lugar, a equipa de Southgate só teve um período de superioridade evidente e controlo de jogo face a um adversário (1º tempo ante a Sérvia). Tudo o resto, foi de uma pobreza confrangedora, com uma incapacidade de rentabilizar o muito talento de um plantel preenchido com alguns dos melhores jogadores da temporada no futebol europeu. Para a partida com a Eslovénia, Southgate deixou cair Alexander-Arnold para lançar Conor Gallagher no onze e até procurou ensaiar durante a 1ª parte trocas ocasionais entre Foden e Bellingham, com o criativo do Man.City a passar pelo corredor central. Esteve na melhor jogada dos ingleses nos 45 minutos iniciais, que terminou anulada por fora-de-jogo.

Tirando isso, as aproximações de Rice aos três quartos do campo trouxeram os melhores minutos ingleses, enquanto Kane criou uma das melhores ocasiões, mas viveu demasiado tempo fora da área - e sem oferecer apoios valiosos ou passes de rutura determinantes. Para a 2ª parte, o selecionador lançou Mainoo para dar outra conjugação entre pressão e passe na comparação com Gallagher e estreou Cole Palmer - que esteve perto de faturar, na sequência do melhor lance do encontro, com os suplentes Gordon e Mainoo a combinarem no corredor central e Kane a servir o craque do Chelsea para um remate desperdiçado.

Já a Eslovénia foi fiel a si mesma. 4-4-2 compacto, com algum atrevimento inicial, entre os movimentos de rutura de Šeško, a incorporação por dentro do lateral Karničnik e o critério com e sem bola dos médios Gnezda Čerin-Elšnik. Com o passar dos minutos, foi sendo mais evidente o recuo em campo, fazendo gala de uma das organizações defensivas mais robustas do torneio, sem qualquer sofrimento. Foi também fundamental o trabalho de pressão de Šporar adiante, em mais um encontro que a dupla de centrais Drkušić-Bijol se voltou a impor com segurança (sentido posicional e superioridade na defesa da área). Oblak é o líder dentro de campo, mas o selecionador Matjaz Kek é mesmo a principal figura desta Eslovénia.

O caos sérvio não provocou a surpresa - mesmo com a falta de pujança dinamarquesa

O desfecho deste grupo foi inacreditável (a decisão até ao mais ínfimo critério de desempate foi «hitchcockiana»), mas acabou por não surpreender. A Sérvia de Dragan Stojković foi igual a si mesma, perdida entre as dúvidas e anseios do selecionador, que optou por uma equipa preenchida a médios-centro, com pouco arrojo e falta de identidade neste registo tático. A incoerência (deu um remate na primeira parte) foi corrigida ao intervalo. Tadić e Jović foram lançados aí, mais tarde entraram Vlahović e Sergej Milinković-Savić, que dispôs da melhor chance já no fim. Sendo obrigatória a vitória, só o assumiu demasiado tarde, carregando a área com centrais, insistindo em cruzamentos e no potenciação do jogo aéreo. Tudo sempre feito à pressa, no meio do caos e sem a mínima ponderação.

Sorriu a Dinamarca, que controlou completamente os primeiros 45 minutos e até gerou os melhores ataques, com Eriksen a ganhar vantagem nas costas dos médios sérvios e a tentar ligar com Wind e Højlund (pouco inspirados neste encontro, quer na movimentação, quer na definição técnica). Os centrais aguentaram a equipa no período de assédio final dos balcânicos (Vestergaard somou mais uma exibição muito sólida e Andersen travou um dos duelos individuais mais épicos da fase de grupos com Mitrović). Um jogo de pouco perigo efetivo, reflexo da falta de rasgo da turma dinamarquesa e da falta de consistência do aproveitamento do talento sérvio.

A maior vitória da carreira de Rangnick (numa equipa virada à esquerda)

É impossível não associarmos o sucesso da Áustria à aposta num treinador que é um autêntico «revolucionário silencioso». Muitos não deram por ele, mas a influência de Ralf Rangnick e da escola de ‘gegenpressing’ é notória em muitos treinadores de topo do futebol europeu. Já venceu algumas coisas na carreira (também noutras funções que não a de treinador), mas fechar como líder um grupo com a vice-campeã mundial França e a seleção dos Países Baixos supõe possivelmente o maior triunfo (no relvado) enquanto treinador para o alemão.

No 4-2-3-1 do costume, a equipa austríaca foi, como é habitual, bastante intensa e agressiva nos minutos iniciais dos jogos e assim ganhou vantagem ao 6º minuto - Lienhart serviu Arnautović nas entrelinhas, este ativou o lateral adaptado Prass e este lançou uma bola para a área, que terminou no autogolo de Malen. A Áustria tentava complicar a ligação interior neerlandesa e o conjunto de Koeman só a espaços via margem para sair, sobretudo quando Reijnders se soltava mais. Gakpo ameaça sempre a partir da esquerda, Malen fez duvidar Prass em duelos individuais e a tendência da linha defensiva austríaca para afundar quando está perto da própria área deu margem para alguns cruzamentos atrasados ameaçadores.

Xavi Simons foi lançado para o lugar de Veerman ainda na 1ª parte e acabou por servir como desbloqueador do jogo para a equipa dos Países Baixos, em condução no corredor central - o que foi decisivo no lance do 1-1, numa finalização excecional de Gakpo, a receber com um primeiro toque formidável para tirar Lienhart do lance e rematar colocado. Só que a Áustria, dentro do estilo vertiginoso habitual, continuou a inclinar ataques para a esquerda e voltou à vantagem após trabalho notável entre Sabitzer e Prass, com o médio Grillitsch a atacar a linha de fundo e a servir Schmid para o golo. Muito mérito também para Arnautović, que depois do trabalho relevante no 1-0 , atraiu Aké e permitiu que se libertasse espaço para o cabeceamento do colega.

Mesmo com a entrada do suplente de ouro Weghorst do lado neerlandês (acrescentou soluções em apoio na área e serviu Memphis na área para o empate, 3 minutos depois da substituição), os austríacos mantiveram o ascendente pela faixa esquerda e assim marcaram o golo decisivo: Sabitzer conduziu o ataque, soltou em Prass, este encontrou Baumgartner com demasiada liberdade para ver o jogo de frente e lançar o homem do Dortmund na área para a finalização. van Dijk ficou pessimamente na fotografia, mas toda a postura defensiva neerlandesa ficou em xeque, depois de dois encontros mais consistentes atrás.

Deschamps, uma equipa sem chama e a puxar pela individualidade

O Europeu da França tem sido desapontante em termos exibicionais e deve fazer Deschamps refletir urgentemente. Há pobreza na criação ofensiva, excessivamente dependente das individualidades e com pontuais sociedades desenvolvidas entre jogadores (neste jogo, Barcola-Mbappé nos minutos finais da 1ª parte) e com isso um escasso número de ocasiões evidentes nas 3 partidas - e apenas dois golos marcados, um na própria baliza e outro de penálti. Ante o sólido 5-3-2 polaco, a turma gaulesa teve imensos problemas para criar jogo, não dispondo de uma unidade para criar jogo (as arrancadas de Kanté foram do melhor que se viu, com Rabiot a não ter capacidade para assumir o peso construtor dos médios). Por fora, e a espaços, Dembélé também dispôs de algumas situações de 1x1 promissoras, como a que resultou no penálti que valeu o primeiro golo de Mbappé em Europeus. E por falar no regressado grande craque francês, foi um dos mais ativos na busca pela baliza, mas mostrou uma falta de confiança preocupante na finalização (desperdiçou até uma ocasião muito clara).

Já a Polónia despediu-se com honra e sobretudo com sinais indicadores promissores para o futuro próximo: Zieliński foi fundamental a ganhar as costas dos médios contrários, a abrir a posição e a servir passes, Szymański e Urbański mostraram predisposição para ligar jogo e aproximar a equipa da área e Lewandowski foi a ameaça do costume lá na frente. Na baliza, Skorupski mostrou créditos para suceder como titular a Szczęsny. Não os esperem a dominar ante equipas grandes, mas há margem para subir um patamar em termos ofensivos.

Ralf Rangnick 💎

Um treinador com aura de revolucionário, inspirador para tantos técnicos com mais «pedigree» e a viver uma campanha de luxo com a «sua» Áustria, tão fiel à ideologia tática: pressão, agressividade, vertigem, visão de ataque e coragem. Viva!

Van Dijk & Upamecano 🌧️

O neerlandês condenou a equipa em duas ações que deram golo: primeiro, lançando-se sobre Sabitzer fora de zona e ficando a contemplar o desenrolar do lance e no lance do 3º golo austríaco, ficando para trás e deixando o atacante faturar em posição legal. Já o francês estava a fazer um torneio sólido, até cometer um erro de abordagem que lhe é tão comum a nível de clube - penálti escusado e o 1º lugar foi à vida…