Faz este sábado uma semana que o Estado Maior do Exército ordenou a interrupção do 138.º curso de Comandos até que se concluam os inquéritos instaurados para averiguar porque razão um militar teve de ser hospitalizado e sujeito a um transplante de fígado e porque mais cinco que tiveram também de ser observados por médicos em âmbito hospitalar.
A investigação, uma militar e outra civil, está no terreno. Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas, já disse que estão a ser colocadas "várias hipóteses" em cima da mesa e que se trata de uma "situação diferente da de 2016", altura em que dois formandos morreram na sequência de um "golpe de calor".
Falta de água?
António Mota, presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA) explica, em declarações à Renascença, que “a hidratação é feita com água apenas e as refeições, rações de combate têm alimentos que favorecem melhor prestação física”.
Há seis anos que os procedimentos mudaram. “Não há qualquer racionamento de água, os instruendos podem beber a que entenderem, sendo que os instrutores se certificam que eles estão hidratados e obrigam-nos a beber água em determinadas alturas do dia, para que não haja dúvida de que a hidratação está assegurada”, refere António Mota.
Mas há mais: “o próprio acompanhamento médico foi muito reforçado”, com socorristas, enfermeiros, médicos a acompanhar as etapas do curso e até mesmo algumas provas.
Se antes eram impostas restrições ao uso de água, a cinco cantis, isso deixou de existir no curso de Comandos, com as alterações introduzidas após as mortes de 2016.
Golpe de calor?
Um especialista hepático ouvido pela Renascença, que prefere não ser identificado, explica que qualquer exercício físico, com temperaturas a partir dos 23, 24 graus, aumenta a possibilidade de um golpe de calor ou insolação, que acontece quando o sistema de controlo da temperatura do corpo deixa de trabalhar e de produzir suor para arrefecer.
No dia do incidente estariam 30 graus. O especialista adianta que numa hora o corpo pode perder dois litros de água.
Provas muito exigentes?
É um facto que o curso de Comandos, que dura entre três a quatro semanas, apresenta desafios difíceis e exigentes para os quais é necessária não só boa forma física como psíquica.
Na altura, o candidato a comando realizava uma Marcor. “Uma marcha/corrida de cinco quilómetros, onde se pretende que os militares cumpram a etapa num determinado tempo e implica alguma velocidade. É feita sob alguma pressão, não é um passeio e tem cargas de peso nas mochilas, além do peso da própria arma que vai na mão”, explica o presidente da AOFA.
Os ingredientes para esta prova são a distância de cinco quilómetros, uma mochila que pode chegar aos 20 quilos, uma arma também ela pesada, o calor e a pressão de uma prova que se quer muito concluir.
“Quando temos vontade de atingir um objetivo naturalmente que tentamos dar o máximo. Em provas de grande exigência se vemos que os outros ao nosso lado estão a conseguir, e eu estou com vontade de me sentar no chão, mas continuo e acho que vou conseguir, é natural que em condições muito exigentes existam situações de cansaço extremo, chega-se ao limite, falham as forças, pernas e acontecem situações graves”, diz António Mota, falando de indivíduos que se excedem, não denunciam fraquezas e não abrandam marcha.
Os candidatos para entrar são sujeitos a um batalhão de análises e exames que foram aumentando ao longo dos últimos anos.
João Pedro Mendonça é médico na área de Desporto. Ouvido pela Renascença, sublinha que “todos os militares deviam ser devidamente analisados para saber se a exigência que lhes é feita é possível, ou não, se não causará qualquer problema complicado”.
“É preciso avaliar a questão cardíaca e não só. Hoje durante esses exercícios de grande treino usam-se até GPS que vão dizendo a frequência cardíaca e isso é fundamental para a monitorização da pessoa”, sublinha.
No entanto, o médico admite que “há situações, que por mais analisada que a pessoas seja, não são detetadas e isso não se pode controlar”.
Candidatos a comandos são já militares
Os cursos de Comandos não são abertos a candidatos civis, mas sim a quem já está na vida militar, por isso habituado a estas corridas embora com menos carga e em trajetos mais curtos.
Muitos dos candidatos têm grande ligação e vocação para a educação física. Fontes militares dizem à Renascença que há sempre os que estão melhor preparados do que outros, surgem também frequentemente os que fazem culturismo e que ingerem determinadas substâncias.
Questionado pela Renascença, António Mota, da AOFA, garante que são proibidas todas e quaisquer substâncias. “Nos dias anteriores ao curso (uma semana/ 10 dias) os instruendos estão proibidos de ingerir substâncias para desenvolvimento muscular, ou outras”, indica.
Já o médico João Pedro Mendonça afirma que “há substâncias que existem e que, à partida, podem parecer que melhoram a atividade física, que parecem ter efeito imediato e benéfico, mas depois têm sequelas muito complicadas”.
A ministra da Defesa, Helena Carreiras, disse esta semana que está a acompanhar o caso do 138.º curso de Comandos e aguarda também respostas para, se necessário, tomar medidas.
“Continuo a acompanhar a comunicação do exército, houve um processo de averiguação urgente instaurado, houve também uma inspeção técnica extraordinária ao curso, que foi suspenso até se conhecerem os resultados”, declarou Helena Carreiras.