Quero voltar a um livro que já abordei aqui: ‘A Idade Média – A verdadeira Idade das Luzes’. O autor, Seb Falk, tenta com sucesso retirar a idade média dos clichés preguiçosos que a modernidade ateia à francesa e/ou a modernidade protestante anglo-saxónica lançaram sobre os mil anos em que a igreja criou a ‘Europa’ a partir das cinzas do Império Romano.
Falk termina o livro com uma interpelação curiosa, que é em simultâneo uma defesa da fé e do espírito científico. Hoje em dia, diz Falk, foi criado uma espécie de culto ideológico em torno da ciência, o ‘cienticismo’, a ideia de que só a ciência pode falar em público, a ilusão de que só a ciência tem as respostas que a humanidade procura. Isto é transformar um mecanismo, a ciência, na própria metafísica do ser humano - um equívoco que define uma época, a nossa, marcada pelo avanço tecnológico e por um profundo retrocesso das humanidades. Tal como o grande George Steiner, entre outros, Falk critica esta ideologia ‘cienticista’ que acaba por desrespeitar a própria ciência (porque a torna arrogante, fechada e politizada) e que desrespeita por completo os outros campos do espírito humano, a começar na arte e na fé. Se a ciência responde a tudo, então porque é que o ser humano continua a precisar de literatura, cinema, pintura, música e, sim, teologia e fé? Como escreve Falk, “a doutrina do cienticismo, a convicção de que um método científico infalível é o único caminho para um conhecimento fiável, é, à sua maneira, tão perigosa como a fé religiosa cega”.
Falk continua esta defesa de uma convivência sã entre ciência e fé através de uma ideia que escapa à maioria das pessoas hoje em dia. A ciência só pode responder ao ‘como’, não responde ao porquê. A ciência não cria nada, só descobre pedaços de uma Criação já edificada, já criada. Como dizia Einstein, o cientista descobre um caminho deixado por Deus.
Como é que a gravidade funciona? Como é que os planetas orbitam em redor do sol? A ciência procura as leis mecânicas que regulam o cosmos, mas não nos diz nada sobre o porquê dessas leis. Porque é que os planetas orbitam desta maneira? Porque é que o oceano foi criado desta maneira? Os "cientistas" da Idade Média estavam precisamente mais preocupados com o porquê da criação, e não tanto com o como. No cosmos, há um rasto de porquês que a ciência não consegue captar e é por isso que precisamos de Deus, da fé, da arte, da música, da literatura, porque é através dessas manifestações espirituais e artísticas que nós conseguimos chegar – durante segundos, uns segundos de cada vez – às respostas pedidas por esse rasto de porquês.