Moscovo está a transferir à força civis ucranianos, incluindo os que fogem do conflito, para a Rússia ou áreas ocupadas pelos russos na Ucrânia, ações que constituem "crimes de guerra", refere um relatório divulgado hoje pela Human Rights Watch.
“As transferências são uma grave violação das leis de guerra, que constituem crimes de guerra e potenciais crimes contra a humanidade”, destaca a organização não governamental (ONG) em comunicado.
A Human Rights Watch (HRW) aponta ainda que as autoridades russas ou ligadas a Moscovo também submeteram milhares de cidadãos a uma forma de triagem de segurança coerciva, punitiva e abusiva chamada “filtragem”.
Num relatório de 71 páginas, esta ONG documentou as transferências de civis ucranianos através de entrevistas a 54 pessoas que foram para a Rússia, passaram por “filtragens”, tiveram familiares ou amigos que foram transferidos para a Rússia ou que apoiaram ucranianos que tentaram deixar a Rússia.
Em 05 de julho, a HRW escreveu ao governo russo com um resumo das suas descobertas e com questões, mas não recebeu resposta.
Embora o número total de civis ucranianos transferidos para a Rússia permaneça incerto, Belkis Wille, investigadora sénior de crises e conflitos da HRW e coautora do relatório, contou à agência Lusa que alguns entrevistados referiram que estiveram em processos de “filtragem” com milhares de outros.
“Um homem disse que estava na fila de espera e era o número 60.000 e teve de esperar cerca de um mês pela sua vez. É difícil ter números, pois apenas temos acessos aos divulgados pela Rússia e é difícil saber quantos desses foram transferências forçadas”, explicou.
Para Belkis Wille, os civis ucranianos “não devem ficar sem escolha a não ser ir para a Rússia” e “ninguém deve ser forçado a passar por um processo de triagem abusivo para alcançar a segurança”.
No final de julho, a agência de notícias russa TASS divulgou que mais de 2,8 milhões de ucranianos entraram na Federação Russa vindos da Ucrânia, incluindo 448.000 crianças.
“Muitos foram deslocados e transportados de uma maneira e contexto que os tornam transferências forçadas ilegais”, salienta esta ONG em comunicado.
A HRW entrevistou ucranianos que fugiram da área de Mariupol, cidade portuária sitiada no sudeste da Ucrânia, e vários transferidos da região de Kharvik, tendo também abordado civis que conseguiram escapar da zona de guerra para o território controlado pela Ucrânia sem passar pela “filtragem”.
Segundo testemunhas citadas no relatório, as autoridades russas avisaram os civis que “não tinham escolha” a não ser permanecer em áreas ocupadas pelos russos ou ir para a Rússia.
“É claro que teríamos aproveitado a oportunidade para ir à Ucrânia se pudéssemos, com certeza. Mas não tivemos escolha, nenhuma possibilidade de ir para lá”, contou uma mulher transferida de Mariupol.
Já moradores de algumas aldeias e de uma cidade na região leste de Kharkiv, na fronteira com a Rússia, também foram transferidos à força para a Rússia, denuncia a ONG.
Um homem de 70 anos da vila de Ruska Lozova disse que as forças russas ameaçaram puni-lo caso o Exército ucraniano regressasse.
Embora este ucraniano não tenha cedido, centenas de famílias da aldeia partiram para a Rússia, acrescenta a HRW.
Outros ucranianos referiram à ONG que foram para a Rússia voluntariamente, incluindo homens que evitam a lei marcial da Ucrânia, que, com poucas exceções, não permite que homens entre os 18 e 60 anos deixem o país.
A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro pela Rússia na Ucrânia causou já a fuga de quase 13 milhões de pessoas — mais de seis milhões de deslocados internos e quase sete milhões para os países vizinhos -, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A invasão russa — justificada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, com a necessidade de “desnazificar” e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia – foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que tem respondido com envio de armamento para a Ucrânia e imposição à Rússia de sanções.
A ONU apresentou como confirmadas mais de 5.600 vítimas civis mortas, sublinhando que este número está muito aquém dos valores reais.