A ONU admitiu esta quarta-feira que o número de civis mortos desde o início da guerra na Ucrânia seja muito superior às 9 mil vítimas documentadas, lamentando a falta de responsabilização pelas sistemáticas violações dos direitos humanos pelas forças russas.
Num debate sobre a situação dos direitos humanos na Ucrânia e no território ocupado da península da Crimeia, hoje realizado em Genebra, Suíça, durante a 53.ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o alto-comissário das Nações Unidas para os direitos humanos começou por apontar que "mais de 9 mil civis, incluindo mais de 500 crianças, foram mortos desde o início da guerra, em 24 de fevereiro de 2022", mas "é muito provável que os números reais sejam bem mais elevados".
De seguida, Volker Turk lamentou a "ausência de responsabilização pelas violações e abusos cometidos neste conflito", muitos dos quais não estarão sequer documentados.
"Não tenho conhecimento de quaisquer investigações em curso por parte da Federação Russa relativamente a detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados, tortura ou maus-tratos perpetrados pelas suas forças na Ucrânia contra civis", disse.
Assinalando que "a Federação Russa não deu acesso aos locais de detenção" à missão de monitorização dos direitos humanos da ONU, Turk disse que, ainda assim, foi possível entrevistar 178 detidos pelas autoridades russas, depois de terem sido libertados, e "mais de 90% afirmaram ter sido sujeitos a tortura e maus-tratos, incluindo violência sexual em alguns casos, por parte do pessoal de segurança russo".
Na mesma intervenção, Volker Turk avançou que a par de estar documentada "a execução sumária de 77 civis enquanto se encontravam arbitrariamente detidos pela Federação Russa", foram também "documentados vários casos que sugerem que civis detidos foram utilizados pelas forças armadas russas como 'escudos humanos', a fim de tornar certas zonas imunes a ataques militares".
Na península da Crimeia e nas zonas "temporariamente ocupadas" da Ucrânia pelas forças russas, foram também documentadas "extensas violações dos direitos à liberdade de opinião, de expressão, de reunião pacífica e de associação, incluindo novas sanções por expressar publicamente opiniões que desacreditem as forças armadas russas, e uma maior deterioração do ambiente operacional para os defensores dos direitos humanos", prosseguiu o responsável.
"Os professores foram pressionados a apoiar ativamente a invasão russa e a encorajar uma atitude positiva em relação à mesma entre as crianças", exemplificou.
O alto-comissário afirmou-se ainda "profundamente preocupado" por o parlamento russo ter recentemente adotado uma lei federal "que potencialmente isentaria de responsabilidade penal os autores de crimes internacionais cometidos nas regiões ocupadas da Ucrânia".
"O direito internacional proíbe a concessão de tal amnistia em relação a violações graves do direito humanitário internacional ou a violações grosseiras do direito internacional em matéria de direitos humanos", recordou.
Intervindo por videoconferência, a primeira vice-ministra dos Negócios Estrangeiros ucraniana, Emine Dzhaparova, corroborou que o número real de vítimas entre a população civil é seguramente muito superior aos números oficiais, e disse ser "inimaginável quantas crianças foram raptadas ou deixadas órfãs" como resultado da agressão militar russa.
"Infelizmente, as atrocidades oficialmente documentadas são apenas uma pequena parte dos crimes cometidos pela Rússia na Ucrânia", declarou a governante ucraniana, apontando igualmente que "tem sido sistematicamente negado o acesso de organizações internacionais humanitárias aos territórios temporariamente ocupados pela Rússia", incluindo centros de detenção.
A ofensiva militar russa no território ucraniano, lançada a 24 de fevereiro do ano passado, mergulhou a Europa naquela que é considerada a crise de segurança mais grave desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).