​Como o fascismo chega à América, na análise de um neoconservador
03-06-2016 - 07:19
 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque

Robert Kagan, defensor acérrimo da guerra no Iraque, vê sinais semelhantes entre a ascensão de Donald Trump e o percurso histórico de Hitler ou Mussolini.

Foi um dos mais destacados neoconservadores há mais de uma década. Um dos ideólogos da administração de George W. Bush, defendeu acerrimamente a guerra no Iraque como necessária e como meio de expandir a democracia e alterar a geopolítica no Médio Oriente.

Argumentou com veemência contra as objecções europeias à invasão “preventiva” do Iraque e publicou, em 2003, um livro sobre a forma diferente como americanos e europeus olham para o mundo e para o uso da violência, “O paraíso e o poder: a América e a Europa na nova ordem mundial” (ed. Gradiva, 2004). Ali cunhou uma expressão que ficou célebre: “os americanos são de Marte, os europeus são de Vénus”. De um lado, a propensão para a violência como forma de impor ordem no mundo; do outro, a propensão para a diplomacia como forma de evitar a violência.

Robert Kagan é um académico prestigiado, escutado e lido por todos, mas sobretudo pelo campo conservador, onde mantém grande influência. Mas agora, perante o que se está a passar no Partido Republicano, tem sido um dos críticos mais ferozes da deriva populista e da “rendição” do partido à candidatura de Donald Trump.

Colunista do “Washington Post”, Kagan escreveu já dois artigos demolidores sobre o partido e a candidatura de Trump – no primeiro anunciava que votará em Hillary Clinton, no segundo só com o título fez soar todas as campainhas de alarme: “É assim que o fascismo chega à América”.

Nele analisa as características populistas da candidatura do multimilionário, a quem chama “egomaníaco”, que nada tem a ver com política ou ideologia, nem com o Partido Republicano, cujos apoiantes vêem com desconfiança e até hostilidade porque a sua fidelidade é ao candidato e só ao candidato. Uma fidelidade que provem de uma “aura de força bruta e machismo” que despreza “as subtilezas da cultura democrática” e se fundamenta no “ressentimento e desprezo, misturados com medo, ódio e raiva”.

“O seu discurso consiste em atacar ou ridicularizar um vasto espectro de ‘outros’ – muçulmanos, hispânicos, mulheres, chineses, mexicanos, europeus, árabes, imigrantes, refugiados – que representa como ameaças ou como objectos de escárnio. O seu programa consiste em prometer que será duro com os estrangeiros e os não-brancos. Deportá-los-á, travá-los-á, obriga-los-á a ceder, a pagar ou a calarem-se”, escreve Kagan.

Percurso de Trump igual a Hitler ou Mussolini?

O cientista político vê nesta atitude aquilo que “os pais fundadores da América mais temeram quando fundaram a república democrática: as paixões populares à solta, a ‘multidocracia’”. E invocando Alexander Hamilton, que assistiu à deriva da revolução francesa, acrescenta: “ele temeu que acontecesse na América aquilo que viu em França – o soltar das paixões populares conduziu não a mais democracia mas à chegada de um tirano, que cavalgou o poder aos ombros do povo”.

A este fenómeno, que aconteceu noutros países democráticos ou quase democráticos no século passado, chama-se “fascismo”, lembra Kagan. Não se trata de ideias ou soluções políticas, mas de venerar o “homem forte”, o “líder” (Il Duce, Der Fuhrer) a quem se confia o destino da nação. “Qualquer que seja o problema, ele tem solução, qualquer que seja a ameaça, ele derrota-la-á, e não precisa de explicar como”. Putin é um exemplo desta deriva.

Que na América tem no Partido Republicano o seu melhor expoente actual porque para os seus dirigentes “a única coisa que conta é o que os eleitores dizem querer – vox populi vox Dei”. E um movimento de massas é uma arma poderosa do líder para intimidar todos os que dele discordam. Por isso, Kagan vê no partido aqueles cuja ambição os levou a saltar para a carruagem de Trump, na esperança de que ele os recompense; aqueles que têm vergonha de proclamar alto o seu apoio e apenas o sussurram “como as vítimas nos julgamentos estalinistas”; e aqueles que ambicionam conduzir o líder ao rumo correcto e pelo caminho salvar a pele.

“O que esta gente não vê é que Trump, uma vez no poder, não lhes deverá nada a eles nem ao partido. Chegará ao poder apesar do partido, catapultado por uma massa devota”. E se até agora votaram nele apenas 5% dos eleitores, se conquistar a presidência e passar a controlar o Departamento de Justiça, o FBI, os serviços de espionagem, os militares, “quem ousará opor-se-lhe?”, desafia Kagan. “Não certamente o Partido Republicano, que se lhe entregou quando ele era comparativamente fraco”.

“E um homem como Trump, com tanto poder nas mãos, tornar-se-á mais humilde, mais sensato, mais generoso, menos vingativo do que é hoje, do que foi toda a vida?”, inquire retoricamente, para concluir: “É assim que o fascismo chega à América, não com botas de cano nem continências, mas com um vendedor ambulante televisivo, um bilionário falsificado, um egomaníaco primário a abrir a torneira dos ressentimentos e inseguranças populares, e com todo um partido nacional – por ambição ou por lealdade cega, ou simplesmente por medo – alinhado atrás dele”.