A não reeleição de António Vitorino para a liderança da Organização Internacional para as Migrações (OIM) deve servir de lição para a diplomacia portuguesa, defende António Martins da Cruz, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, em declarações à Renascença.
António Vitorino desistiu da corrida para a norte-americana Amy Pope, que até agora era "número 2" da OIM, após ter sido derrotado na primeira votação.
Em declarações à Renascença, António Martins da Cruz aponta diversas razões para este desfecho e lembra, por exemplo, que o último primeiro-ministro português a ser recebido na Casa Branca foi Durão Barroso, há 20 anos.
Deve servir de lição para a politica externa portuguesa, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, e "é preciso acionar os canais de diálogo entre Portugal e os EUA ao mais alto nível”.
Por que é que António Vitorino falhou a reeleição para a liderança da Organização Internacional para as Migrações (OIM)?
A desistência do Dr. António Vitorino é uma consequência do resultado da primeira volta das eleições. É uma pena, para Portugal, para a projeção de Portugal no mundo, que o Dr. Vitorino não tenha conseguido renovar o seu mandato.
Mas porquê? António Vitorino tinha o apoio do Governo português. A norte-americana Amy Pope era uma candidata fortíssima, mas era número dois de António Vitorino na organização.
Era a número dois e os Estados Unidos mexeram-se. Os EUA são um contribuinte muito importante para esta organização. Aliás, a larguíssima maioria dos secretários-gerais foram sempre americanos, com duas exceções, e o Dr. Vitorino é uma delas.
Isto também significa que, por um lado, não houve um apoio sólido da parte dos 27 países da União Europeia e, por outro, falharam igualmente apoios do chamado “Sul global”. Ou seja, apesar do antigo ministro dos Negócios Estrangeiros angolano – o senhor Chicoti - ter garantido o apoio dos países do Sul, dos países da África, Caraíbas e Pacífico... não se conseguiu esse voto.
Percebe-se bem a força da candidata norte-americana, mas o normal seria, se calhar, que os Estados Unidos viabilizassem um segundo mandato de António Vitorino. O normal seria cumprir os dois mandatos.
É verdade. Nas Nações Unidas, e eu estive seis anos em Genebra, nas Nações Unidas, é normal quando o primeiro mandato corre bem que exista uma reeleição.
Significa isso que o mandato de António Vitorino terá corrido mal de alguma forma?
Não. Eu acho que correu bem. O Dr. Vitorino, aliás, foi muito ativo, sobretudo agora na última fase, devido aos refugiados e às imigrações provocadas pelo conflito na Ucrânia. Mas, aqui, o que apareceu foi a força dos Estados Unidos.
O que eu lamento, o que eu penso que faltou aqui foi um diálogo prévio entre Lisboa e Washington. Esta “não vitória” do Dr. Vitorino é uma lição que nós devemos tirar para a política externa portuguesa. É preciso melhorar os canais de diálogo entre Lisboa e Washington.
Por alguma razão o chefe de Governo espanhol, o Sr. Sanches, esteve em Washington na semana passada. O último primeiro-ministro [português] que esteve em Washington foi em 2003, o Dr. Durão Barroso. Há 20 anos que não vai um primeiro-ministro português a Washington.
Isto não é nenhuma crítica, é simplesmente um relembrar que é preciso acionar os canais diplomáticos entre Portugal e os Estados Unidos ao mais alto nível.