Indeciso em quem votar? A "culpa" pode estar também nas caras novas das lideranças
08-02-2024 - 00:51
 • José Pedro Frazão

A entrada de caras novas para as lideranças partidárias promove a visibilidade e o peso dos debates televisivos, mas também contribui para a indecisão. A cerca de um mês das eleições legislativas, a politóloga Marina Costa Lobo admite que o número de eleitores que decidem o voto mesmo na cabina de voto pode ser de novo elevado. Mas também refere que é a partir de agora que o voto se decide. E, afinal, um conjunto de líderes novos também pode acabar por diminuir a abstenção jovem em Portugal.

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Marina Costa Lobo dirige o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa onde são produzidos alguns dos mais mediatizados inquéritos de opinião pública em Portugal. A Renascença desafiou a politóloga a olhar para a campanha para as eleições legislativas de 10 de março pela perspetiva de estudos anteriores, como o relatório pós-eleitoral de 2022 ou o estudo sobre comportamento politico dos jovens de 2015.

O estudo pós eleitoral de 2022 mostra que a televisão foi o meio preferencial de informação politica durante a campanha. 30% disseram ter decidido o seu voto um mês antes, ou seja, durante o período de debates televisivos. Estes debates vão ser mais importantes que as sondagens ou mesmo os 15 dias de campanha oficial para a definição do voto?

O estudo de 2022 revelou que uma parte bastante substancial do eleitorado português não tem uma identificação partidária forte e espera pela campanha - entendida de um modo lato, o que inclui os debates - para decidir o seu voto. Diria que os debates deste ano são ainda mais importantes, pelo simples facto de que todos os líderes partidários principais, com exceção de André Ventura, são novos e não eram líderes em 2022.

Desse ponto de vista, os debates tornam-se mais importantes para que as pessoas possam conhecer os candidatos, os líderes novos, para saber aquilo que pensam e como reagem num contexto de debate.

Podemos dizer, com base nos estudos anteriores, que a maioria dos eleitores já tem mesmo o seu voto decidido neste momento, a cerca de um mês das eleições?

É a realidade. Temos essas indicações, não só pelo estudo de 2022, mas também pelos inquéritos que se vão fazendo, em que o grau de indecisão revelado pelos inquiridos é também relativamente elevado. São indicadores que nos sugerem que as decisões vão ser tomadas agora e até ao dia das eleições.

Encontra alguma pista que permita antecipar que a percentagem de votantes que decidem no dia das eleições vai ser superior aos 14% de 2022?

Nós tínhamos indicadores do passado e este valor foi o mais alto de sempre que registámos em termos de decisão no próprio dia das eleições. Podemos assumir que a tomada de decisão no dia das eleições será também elevada em 2024. Os líderes são novos e vai haver a necessidade de se recolher informação sobre eles. Isso vai ser feito até ao dia da eleição.

Pode haver acontecimentos políticos até ao dia da eleição que façam mudar o sentido de voto de eleitorado que não tem grande lealdade ou identificação partidária. O eleitorado poderá ter uma identificação ideológica, nos blocos de esquerda ou de direita, mas não está necessariamente comprometido com um partido em definitivo e vai estar até ao último minuto a fazer "contas de cabeça".

A partir do momento em que se percebe ou tem a convicção de que não vai haver maioria absoluta, então é preciso votar estrategicamente. No "voto estratégico", as pessoas vão pensar onde é que o seu voto é mais bem aproveitado. Partindo do pressuposto que se está numa área ideológica, vale mais a pena votar num partido pequeno ou num partido grande? Vale mais votar num partido extremista ou num mais moderado?

Isto vai depender um pouco das sondagens que forem aparecendo, da competitividade das eleições e da proximidade que as sondagens indicarem entre diferentes partidos. Tudo isso vai ter um impacto na decisão final dos eleitores.

Na base disto está a existência de uma identificação partidária fraca e, a par disso, de um número bastante significativo de partidos, porque a oferta partidária aumentou significativamente nos últimos anos.

Até 2019 não havia Iniciativa Liberal, não havia Chega. Havia PAN, mas era mais pequeno. O Livre também ainda não tinha entrado no Parlamento. Neste momento, há uma panóplia de opções parlamentares que dão mais escolha ao eleitor. A partir do momento em que a representação parlamentar está bastante alargada, as pessoas pensam mais sobre onde poderão colocar o seu voto. O aumento da oferta partidária está também relacionada com esta indecisão até ao fim.

E neste momento é possível comparar o volume de indecisos do processo eleitoral de 2022 ao de 2024?

Não consigo dizer se é maior agora do que nas últimas eleições. Agora, o facto dos líderes serem novos e de se perceber que não há uma maioria absoluta - aí é igual a 2022, mas na verdade o resultado foi diferente -, pode permitir pensar que a incerteza a decisão será adiada até os eleitores estarem mais convictos e terem observado melhor os líderes em debate e na campanha.

Há nove anos coordenou o estudo "Emprego, Mobilidade, Política e Lazer: situações e atitudes dos jovens portugueses numa perspetiva comparada” onde se detetava alguma "apatia cívica" e uma abertura grande para emigrar. Acha que essa "apatia cívica" se mantém?

A "apatia cívica" tinha várias dimensões nesse estudo. Onde ela de facto existe, é inequívoca e não diminuiu, foi no voto. Os jovens participam sistematicamente menos do que o resto da população que tem idade para votar. Os jovens são tendencialmente mais abstencionistas do que o resto da população portuguesa. No entanto, também vimos que têm interesse pela política, que têm alguma taxa de participação em associações desportivas, mas não só. Na verdade, em muitas dimensões da participação, os jovens não são assim tão apáticos como isso. Mas, do ponto de vista do voto, sim, os abstencionistas são caracterizados pela sua juventude.

Por outro lado, essa "apatia" pode ser quebrada pela aparente atração dos jovens por partidos que apostam em mensagens simples e virais. O "efeito novidade" do Chega não é o mesmo que terá também beneficiado o Bloco de Esquerda no inicio?

Existe a constatação de que, em 2022, a abstenção diminuiu em relação a 2019. Isso não acontecia há muitos anos. O aumento da oferta e da representação partidárias na Assembleia da República está correlacionado com a diminuição da abstenção.

Sabendo que existem muitos jovens que se abstêm e que partidos como o Chega e a Iniciativa Liberal foram buscar votos a vários partidos - sobretudo de direita como PSD e CDS, mas também à abstenção - é natural que haja uma associação entre a juventude e esse tipo de partidos.

É preciso dizer que estamos a falar de percentagens, ou seja, um partido como o PS, em números absolutos, pode ter muito mais jovens a votar nele do que um partido como a Iniciativa Liberal. A questão é que, percentualmente, há mais jovens na IL do que no PS. Não devemos ver as coisas de forma enviesada.