São meia centena de alunos, com mais de 50 anos de idade. Diariamente, cumprem o calendário escolar num ano letivo recheado de aulas de vídeo, fotografia, música, dança, inglês, história, desporto. Organizam convívios depois das aulas e têm, até, um grupo de cavaquinhos. Ficar em casa a olhar para as paredes está fora de questão.
Fundada em 2015, mas com raízes em 2005, a Universidade Sénior de Gouveia, tem em Virgínia Torres, a sua mais antiga aluna. Aos 76 anos, faz "power points", sabe trabalhar com o "moviemaker", tira fotografias e escreve poemas.
Ainda em casa, prepara o que tem de levar para a universidade, na companhia dos gatos que teimam em saltar para cima do portátil. Virgínia mostra que é responsável pela gestão da página da Universidade Sénior no Facebook.
A "tratar por tu" as novas tecnologias, a estudante confessa que foi a universidade sénior que a ensinou a falar inglês, para poder estabelecer diálogo com a neta que está em Inglaterra. “Foi por ela que aprendi o inglês. Já sei cumprimentar, perguntar qualquer direção e, quando oiço na televisão uma palavra em inglês e compreendo, fico feliz”, conta, ainda que confesse ter ainda “um bocadinho de vergonha de falar”.
VirgíniaTorres já fala inglês e a linguagem dos mega e gigabytes, apesar de ter deixado a escola há mais de 50 anos. “Pensamos que já não damos nada nesta idade. Nunca pensei que algum dia fosse aprender música”, exemplifica, mostrando os vídeos do grupo de cavaquinhos, com milhares de visualizações no YouTube.
“Meti-me nisto para conviver, dá-nos uma certa vida”
Virgínia, com três filhos e seis netos, trabalhou durante mais de duas décadas nos lanifícios e, quando se reformou, sentiu que era cedo demais para ir para casa.
“Criámos os filhos e os netos e, depois, eles voam. Sentimo-nos um bocadinho inúteis, surge a solidão. Meti-me nisto para conviver, dá-nos uma certa vida. O meu cérebro parece que não ficou tão atrofiado. É altura da minha cabeça não parar”, conta, sentada numa mesa redonda, camilha rendada, onde poisa com orgulho os diplomas de um percurso feito com sucesso na Universidade Sénior. “Há pessoas que têm vergonha de aprender, de demonstrar que não sabem. Eu não”, considera.
Virgínia fecha o portátil e sai em passo acelerado para o Seminário de Gouveia, onde funciona a Universidade Sénior, por cedência e disponibilidade do padre Jacob. Chega atrasada, bate à porta e Joel Correia, professor de História e Património, sorri, sem deixar de continuar a dar a aula, que só é interrompida pelas perguntas dos alunos que colocam dúvidas e tiram apontamentos.
Num ambiente descontraído, Joel, com pelo menos metade da idade dos seus alunos, sossega a audiência: “Não se preocupem que eu depois envio-vos todos estes 'power points'”.
Por aqui, há alunos e alunas com diversas formações. Todos deixaram a escola há mais de pelos menos quatro décadas. O regresso é encarado com boa disposição e comportamento exemplar. Enquanto Joel explica o Império Romano, ninguém fala com o colega do lado, a atenção é máxima. “É um comportamento exemplar”, admite Joel Correia, 32 anos, professor, arqueólogo, técnico superior da Câmara de Gouveia e coordenador da Universidade Sénior, como voluntário.
“Integro a universidade nesta segunda fase, porque já tinha tido um primeiro momento, com o professor Jorge Ferreira, em 2005. Faço secretariado, dou aulas, mas quem leva a universidade a bom porto são os alunos. Todos os professores são voluntários”, conta o docente.
Formar guias turísticos
Ciências da vida, inglês, música, informática, português, dança, expressões plásticas são alguns dos conteúdos previstos neste ano letivo.
“Há a vertente pedagógica, que não tem avaliações, mas onde aprendem coisas novas e onde são convidados também a partilhar as suas experiências”, explica o coordenador, sem esconder o contentamento de ter alcançado o número 50 nas inscrições: “Todos os anos têm aparecido mais alunos. 50 é um ótimo número.”
A comemorar quatro anos de existência no próximo dia 7 de abril, a Universidade Sénior de Gouveia anuncia um novo projeto, que surge como pioneiro, na região: a Bolsa de Guias Turísticos. “É um projeto novo, em que os alunos de História e Património vão ser os anfitriões da cidade. Qualquer pessoa que queira fazer uma visita guiada à cidade tem o serviço disponibilizado pela Universidade Sénior. Os alunos de História e Património vão disponibilizar um serviço de guias informais, dando a conhecer a cidade e os monumentos”, explica Joel.
“Estar em casa a olhar para a televisão não é para mim”
No distrito da Guarda, há oito universidades seniores: Gouveia, Seia, Sabugal, Celorico da Beira, Fornos de Algodres, Pinhel, Mêda e Figueira de Castelo Rodrigo. Para frequentar a Universidade Sénior, os alunos têm que pagar uma quantia trimestral, que varia entre os 25 e os 30 euros, consoante o número de aulas em que se inscrevem.
José Castro, 63 anos, outro dos alunos e responsável pela gestão das finanças da Universidade Sénior de Gouveia, considera que “a universidade é um ponto de encontro e de partilha”, realçando que se organizam, com frequência, visitas de estudo e convívios.
Fernando Jacinto, 74 anos, diretor da banda musical gouveense, trabalhou como comerciante e há três anos que frequenta as aulas da Universidade Sénior. “Estar em casa a olhar para a televisão não é para mim e para não estar a olhar para as paredes, nem para ficar tão velho, decidi inscrever-me”, declarca.
O aluno com mais idade a frequentar a Universidade Sénior é Eduardo Santos Duarte. Completou 89 anos a 1 de janeiro e salienta que já aprendeu a falar inglês. Se dúvidas houvesse, avança: “Já sei contar em inglês… One two, three... Até twenty.”