Desde 2016 que vários venezuelanos se instalaram no estado de Roraima, no norte do Brasil. “Uma estimativa do Instituto brasileiro de Geografia e Estatística diz que serão mais ou menos 30 mil os que se encontram aqui, mas 85 mil terão pedido refúgio”, confirma à Renascença Jaime Patias, missionário da Consolata, que está há um mês em Boavista a acompanhar os imigrantes.
O sacerdote, que faz parte do governo geral da congregação, onde é conselheiro para as Américas, diz que a situação não se compara à vizinha Colômbia, para onde já fugiram “mais de um milhão de venezuelanos”, mas é muito preocupante, e o número dos que chegam continua a subir.
“Desde 2016 que o fluxo de imigrantes tem aumentado, mas ultimamente, com o agravamento da crise na Venezuela, intensificou-se. Todos os dias a gente percebe que chegam mais, e conversando com os que estão aqui, eles dão notícia de que mais gente está para vir”. Alguns já têm voltado ao país, mas a maioria ficou, mesmo em condições precárias.
“Estamos a falar de uma crise humanitária”, diz. Porque se no inicio muitos dos que chegavam “tinham condições de pagar a viagem e tinham alguns recursos para buscar oportunidades no Brasil”, os que agora imigram fazem-no porque estão numa situação de risco e emergência.
“Muitos deles vêm buscar comida, então é uma crise humanitária, de sobrevivência. Existe também o caso dos indígenas Warao, que nós conhecemos na Venezuela, porque os missionários da Consolata também trabalham lá no Delta Amacuro, que fica a uns 900 quilómetro daqui. Eles descem e vêm até Boavista para buscar comida”, conta o sacerdote.
Muitos dos imigrantes foram acolhidos em abrigos, mas não chegam para todos, e há muitos a viver na rua. “Através do exército brasileiro foram contruídos até ao momento 13 abrigos, dois deles são destinados especialmente para acolher os indígenas. Porém, estes 13 abrigos só conseguem acolher 6 mil dos 30 mil. A grande maioria está a morar em casas alugadas, ou quartos. Por isso a grande preocupação é com aqueles que ficam na rua, nas praças”.
Do que tem assistido no terreno, o padre Jaime considera que tanto o Estado brasileiro como a Igreja, através das suas várias instituições, têm feito o que é possível. “Sim, todos os esforços estão sendo feitos”. Mas, também há muito para fazer.
“O Governo brasileiro concede refúgio, no papel, porém falta proteção social, assistência na saúde. Os hospitais estão cheios de enfermos internados, venezuelanos. Tem a questão das escolas, que agora estão matriculando, e não tem vagas, por isso muitas crianças vão ficar sem escola. Há o problema da alimentação que não chega para todos, e falta também proteção, segurança. Há uma tensão social muito grande”, refere ainda o missionário brasileiro.
Numa cidade de 500 mil habitantes como é Boavista, e que já tinha dificuldades sociais, os migrantes são vistos como um problema, e tem havido atitudes de xenofobia, confirma o padre Jaime. Mas, também há muita solidariedade. “Há gente que arranja espaço em casa, no quintal, e deixa morar de favor, dão alimentação”, conta. E junto à casa das missionárias da Consolata “todos os dias há fila para receber pão e café”.
Para aliviar a tensão social que se vive em Roraima, o governo brasileiro está a tentar transferir imigrantes para outros estados, onde poderão encontrar trabalho. “No último fim de semana foram levados 99 para Matogrosso do Sul, onde vão trabalhar numa indústria alimentar”, conta o padre Jaime.
Na linha da frente da ajuda aos imigrantes venezuelanos tem estado a Igreja, que em outubro de 2018 criou o programa ‘Caminhos de Solidariedade – Brasil/Venezuela”.
O projeto junta a diocese de Roraima, a Conferência Episcopal e a Cáritas brasileira, o Serviço Pastoral do Migrante e o Serviço Jesuíta aos Refugiados, entre outros, e já beneficiou algumas dezenas de venezuelanos. “Ainda a semana passada, dia 31 de janeiro, um grupo de 17 partiu de Boavista rumo a Paraíba, e em João Pessoa foram acolhidos pela Igreja e serão inseridos no mercado de trabalho”, refere padre Jaime Patias.