Para usar um eufemismo, a igreja e o catolicismo têm má imprensa. As duas narrativas que alimentam a modernidade há vários séculos, o protestantismo anglo-saxónico e o laicismo francês, divergem em quase tudo excepto na eleição do inimigo número um: os católicos. Esta convergência do capitalismo wasp com o espírito da revolução francesa tem um efeito cultural poderoso e até agora imbatível: coloca os vícios católicos na vitrina mais iluminada e, ao mesmo tempo, arruma as grandezas católicas num sótão empoeirado e afastado da freguesia normal da loja. Pois bem: tendo em conta o clima que estamos a viver, é fundamental visitarmos esse sótão para resgatar uma das virtudes do catolicismo do século XX: a resistência ao nazismo.
Pegando no exemplo do teólogo Dietrich Bonhoeffer, já uma vez salientei aqui a importância da desobediência do cristianismo alemão perante o jugo nazi. Henrique Monteiro, no Expresso da semana passada, salientou por sua vez a importância do catolicismo na resistência ao nazismo, invocando o exemplo do bispo de Munster, preso por denunciar os métodos bárbaros da eugenia “científica” que os nazis usavam para apurar a raça. Convém ainda salientar que as regiões mais católicas e conservadoras da Alemanha, Baviera e Renânia, foram aquelas que mais resistiram ao paganismo revolucionário de Hitler. A série de televisão “A Família Krupp” mostra bem este confronto entre a posição conservadora e cristã, de um lado, e a posição fascista, do outro. No mesmo sentido, o filme "Valquíria" mostra a maior revolta anti-Hitler: foi liderada por Claus von Stauffenberg, um aristocrata movido pelo seu ethos católico (algo que escapa à narrativa anglo-saxónica do filme). É que o fascismo nazi tinha quase tudo em comum com o comunismo estalinista e nada em comum com a moral católica. Quem acredita na transcendência e no direito natural não pode sacralizar o poder terreno de um líder, de um leviatã, de uma tribo, de uma linhagem de sangue. Jesus, para espanto da própria samaritana, fala com os samaritanos (Jo 4, 9) e até faz deles exemplos morais (Lc 10, 29-37). Na linguagem de hoje, o samaritano é o “mulato”, o mestiço que mistura sangues e influências.
Quando se ouvem de novo as trombetas dos ídolos do nacionalismo pagão que nos reduz a um amontoado de veias e artérias por onde passa um sangue alegadamente puro ou impuro, convém recordar esta lição histórica e bíblica. Nenhum católico pode idolatrar o estado ou a nação, o sangue ou a tribo. O catolicismo supera o sangue e da tribo, transformando-os em irrelevâncias, meros acasos da natureza. E o catolicismo relativiza o estado e a nação. O estado mecânico e a nação orgânica não são essências sagradas. São meros instrumentos. E só são instrumentos legítimos se estiverem ao serviço da lei fundamental. Portanto, uma pessoa ou é cristã ou é nacionalista, não pode ser as duas coisas ao mesmo tempo. Ou está com a Bíblia, ou está com os bezerros de oiro do sangue e do solo.