“Queridos amigos, é com alegria que entro em contato com vocês pelo twitter”. Foi desta forma que há 10 anos, o Papa Bento XVI publicava o primeiro tweet da conta @Pontifex, suspensa durante todo o período da ‘sede vacante’, mas reativada pelo Papa Francisco, depois da sua eleição em 2013.
Um gesto histórico e o pontapé de saída para um novo caminho de evangelização através das redes sociais a trilhar pela Igreja, proporcionado pelo Santo Padre que, paradoxalmente, era apelidado de “conservador”.
“O que vemos é um Papa não fechado, contrariamente à outra imagem dele, por exemplo, não fechado às novas tecnologias, mas como em tudo, não absorve essas coisas sem ter uma perspetiva critica e a partir dela, afirmar que não basta ocupar o espaço, estar na Internet ou nas redes sociais, mas é preciso dar esse testemunho e de uma forma evangelicamente fiel, dar testemunho da missão e da boa nova”, considera José Luís Ramos Pinheiro.
O administrador do Grupo Renascença Multimédia, juntamente com Isabel Figueiredo, diretora nacional do Secretariado das Comunicações Sociais da Igreja, Rita Carvalho, antiga jornalista e diretora de comunicação da Companhia de Jesus e do Portal dos Jesuítas, assim como Luis santos, Professor Auxiliar e investigador na área do digital do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, participaram esta quarta-feira, na Renascença, num debate sobre “Os desafios à comunicação com Bento XVI”, moderado pelo jornalista José Pedro Frazão.
Toda a reflexão do Papa Emérito sobre a comunicação, na opinião de Ramos Pinheiro, “não abandona a procura da verdade”, com um apelo constante à autenticidade da comunicação.
“O Papa apela à não construção de perfis artificiais, mas pelo contrário apela à autenticidade, à identificação e, com isso, também à liberdade das pessoas para se assumirem de forma autêntica nas redes sociais e não se esconderem nesses perfis artificialmente construídos”, destaca.
Por outro lado, assinala a relação “da palavra e do silêncio”, de resto, um dos temas de uma das mensagens para o Dia Mundial das Comunicações Sociais (2012), como instrumento que permite “estabelecer a importância da escuta, do silêncio”, sendo que “a valorização da palavra não passa tanto pela palavra excessiva, mas falar menos, de forma mais sábia, de modo que a palavra conjugada com o silêncio, seja verdadeiramente valorizada”.
Na mesma linha de pensamento, Isabel Figueiredo, “criada na geração de João Paulo II”, ao reler os textos do Papa Emérito, percebeu que “apesar da aparente fragilidade, o Papa abriu completamente o mundo à novidade e à modernidade dos meios que nós hoje estamos a usar”, tendo tocado em pontos fundamentais da comunicação na atualidade.
“Olhando para trás, é como que o Papa Francisco desse continuidade ao que foi semeado por Bento XVI. Tudo aquilo que temos hoje foi semeado por ele e pela sua capacidade de antever o que se ia passar”, realça a diretora nacional do Secretariado das Comunicações Sociais.
Por sua vez, o investigador Luis Santos regressa a dezembro de 2012, para destacar esse “célebre tweet”, em que Bento XVI “propõe responder a perguntas sobre a fé”, o que demonstra, ao contrário da ideia que se tem, que “o Papa mostra uma abertura, decidindo abrir-se às pessoas”.
Rita Carvalho, que na altura do seu pontificado era jornalista, recorda que a imprensa sempre teve dificuldade para “compreender os textos” do Papa Emérito, contudo, a “sua capacidade de abertura e adaptação” foi conseguindo conquistar os meios de comunicação, sem “nunca deixar de ser coerente com aquilo era, na sua essência”.
“Houve uma certa transição de João Paulo II, um colosso da comunicação, para Bento XVI e o próprio Vaticano, que teve de se explicar muitas vezes, foi-se adaptando. O Papa era homem de uma palavra refletida e não de ‘soudbites’”, afirma a diretora da comunicação da Companhia de Jesus.
Aliás, complementa José Luís Ramos Pinheiro, “fez da fragilidade, oportunidades, aproveitando momentos de dificuldades para aprofundar esse caminho, quer do ponto de vista ecuménico, quer do ponto de vista inter-religioso. Ele não queria ser João Paulo II, queria ser ele próprio, por isso tinha uma forma diferente de comunicar”, considerando a necessidade de “por missão na tecnologia e tecnologia na missão”, conseguindo chegar às pessoas com “sabedoria e de forma sensível”.
Uma ideia que Isabel Figueiredo completa, lembrando que neste desafio da comunicação à própria Igreja, Bento XVI sempre pautou a sua postura “pela verdade, o amor e a caridade”.
“Ele volta sempre à essência da presença de Jesus e da dimensão do amor nas pessoas. Foi um Papa que marcou definitivamente as pessoas”, acrescenta a responsável.
Na leitura de Luís Santos, “a Igreja mostra vontade de estar presente, de forma diferente, nos espaços onde estão as pessoas”, como as redes sociais, mostrando “prudência nas publicações e prudência na resposta às publicações”.
Para o professor, “a expressão do desejo e da vontade, a promoção deste assunto, a sua discussão, tudo isto faz parte do trabalho inicial desenvolvido por Bento XVI e que o Para Francisco dá continuidade”.
Apesar do esforço que está a ser efetuado esta “semente que tem ainda que germinar”. É a opinião de Rita Carvalho quando questionada sobre as ilações que a Igreja tem retirado de todas esta transição que o Papa Emérito promoveu de forma discreta, mas seguro do caminho que era necessário fazer.
“Esse trabalho continua por fazer, o mundo está mais polarizado, mesmo dentro da Igreja e no espaço publico ainda mais. É preciso continuar a fazer esse caminho e a Igreja tem dificuldade em fazê-lo”, observa.
Mesmo depois da renúncia, Bento XVI não deixou de comunicar, ainda que de forma discreta, fê-lo através de textos ou mesmo de entrevistas, porém, sublinha Ramos Pinheiro, “cumpriu aquilo que disse. Apagou-se para que Francisco pudesse estar em pleno, mas não deixou de ser uma presença”.
Uma postura que confirma uma outra característica do Papa Emérito, conclui Isabel Figueiredo: “além da verdade, a humildade”.
Ouça o debate na íntegra.
O debate "Os desafios da comunicação para Bento XVI" teve como convidados o Administrador do Grupo Renascença e Professor da Licenciatura de Comunicação Social e Cultural da Universidade Católica José Luís Ramos Pinheiro; a Diretora do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais da Igreja, Isabel Figueiredo; Rita Carvalho, Diretora de Comunicação dos Jesuítas em Portugal e ainda Luís Sousa, Professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, investigador na área da transição dos média para cenário digital, moderados pelo jornalista José Pedro Frazão. Produção: Ana Marta Domingues