A série “Pôr do Sol”, cuja segunda temporada termina esta sexta-feira, é um exemplo de que “a cultura pop se reconciliou com uma produção nacional”, disse um dos criadores do conteúdo com melhores resultados de sempre na RTP Play.
“Não estávamos minimamente à espera do sucesso que foi, mas percebemos rapidamente que a coisa entrou para o vocabulário quotidiano. A cultura pop reconciliou-se com uma produção nacional, que já não acontecia, se calhar, desde os Gato Fedorento”, partilhou com a Lusa o realizador e um dos criadores da série, Manuel Pureza.
“Pôr do Sol” é uma paródia ao formato e aos ingredientes habituais de uma telenovela, com um enredo de drama, crime, amor, traição, sobre a família Bourbon de Linhaça, proprietária da herdade do Pôr do Sol.
A primeira temporada foi exibida em agosto do ano passado na RTP1, tendo depois ficado disponível na RTP Play e, mais tarde, na Netflix.
A segunda, que tem “vilões, cavalos, pessoas ricas, pessoas pobres, pessoas pobrezinhas, ceguinhas”, estreou-se em 22 de agosto e tem sido exibida de segunda a sexta-feira, às 21:00, na RTP1. O último episódio será mostrado, também às 21:00 de sexta-feira, em nove salas de cinema da NOS por todo o país (Aveiro, Braga, Coimbra, Lisboa, Loulé, Porto e Viseu).
Analisadas as audiências lineares, do dia, facultadas à Lusa pela RTP, a primeira temporada foi vista, em média, por 350 mil espectadores, e as duas primeiras semanas da segunda por 430 mil.
No entanto, as audiências desta série não podem ser medidas apenas assim, visto tratar-se de um dos programas “que fogem completamente a esses números e disparam nas audiências não lineares”, destacou o diretor de programas da RTP, José Fragoso.
Na RTP Play, “Pôr do Sol” é “o conteúdo com melhores resultados de sempre”.
Segundo José Fragoso, “a temporada do ano passado no Natal ainda tinha pessoas a ver os episódios, e na Netflix, na terça-feira, estava no top 10 das séries mais vistas em Portugal”.
“Se nos cingíssemos ao direto, os resultados são medianos, mas não correspondem ao que recebemos de ‘feedback’. O último episódio vai passar nas salas de cinema e esgotámos. É sinal de que as pessoas estão atentas e que isto se tornou um bocado um fenómeno da cultura pop”, salientou Manuel Pureza.
Quando a equipa da produtora Coyote Vadio começou a fazer a série tinha “plena noção” que os envolvidos se iriam “divertir muito”, “mas corria o risco enorme de as pessoas não acharem piada nenhuma”.
“Acho que conseguimos contrariar um bocado essa ‘maldição do audiovisual’ – se as equipas se divertem muito a fazer, corre mal”, sublinhou o realizador.
Para Manuel Pureza, o “fenómeno do ‘Pôr do Sol’” é explicado facilmente, na medida em que se fala de uma série que, “em primeiro lugar, respeita imenso o público que vê novelas, e o público em geral, e que o desafia a rir-se de uma maneira que não seja obrigatoriamente fácil ou estúpida”.
José Fragoso considera a série “um bom exemplo de inovação, que segue uma linha já abordada pela RTP em séries como ‘Desliga a televisão’ e ‘O último a sair’”.
“É uma ficção ‘nonsense’, mas que tem os códigos da novela, que as pessoas em Portugal praticamente todas conseguem apreender facilmente, mesmo os não espectadores de novela.”
Por se tratar de um “conteúdo muito inovador”, conseguiu “chegar a públicos muito diversificados, sobretudo públicos mais jovens, que estão mais distantes do consumo de televisão hoje em dia”.
“O ano passado sentimos isso logo na primeira temporada. Depois do que tinha acontecido no ano passado, sabíamos que a tendência seria para escalar, e foi isso que aconteceu”, disse o diretor de programas da RTP.
Para Manuel Pureza, “a primeira temporada teve um efeito surpresa gigante, apesar de não ser inédita esta sátira às novelas – 'O diário de Marilu' e outras brincadeiras que o Herman fazia com alguns formatos”.
Quanto à segunda, a equipa da produtora Coyote Vadio sentiu que “surpreendeu muito as pessoas que já viam a primeira, porque ultrapassou um bocado as expectativas: do ponto de vista técnico, de história, de elenco, que engrossou bastante”.
Na primeira, “foram os corajosos que se aventuraram, não se arrependeram e falaram aos seus amigos”. “Esses mesmos [os corajosos], durante o ano que estivemos em pausa, convenceram meio mundo a ver a estreia da segunda”, disse.
O nome da série está frequentemente entre as tendências do Twitter, a banda Jesus Quisto - “que nunca existiu”, visto que dos atores que a integram na série só um “sabe tocar” – esgotou dois concertos no Teatro Maria Matos, em Lisboa, e o ‘colar de São Cajó, que está na família Bourbon de Linhaça há mais de 3.500 anos’ foi referido pela líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, recentemente num discurso.
A presença da segunda temporada de “Pôr do Sol” na Netflix ainda está a ser negociada, “noutros moldes que não teve a primeira”.
“Temos sempre de avaliar a melhor proposta. Tendo a Netflix a primeira temporada, tem direito de preferência, mas precisamos de nos colocar já não como as pessoas que estão a tentar, mas como as pessoas que conseguiram na segunda temporada fazer melhor que a primeira”, referiu o realizador.
Futuro da série ainda por decidir
O futuro da série não está ainda decidido, mas o mais provável é a equipa criativa “pensar numa coisa completamente diferente”, adianta Pureza.
“Não está decidido, porque isto não acabou. Só acaba na sexta-feira, e até ao lavar dos cestos é vindima. Mas, no nosso entender de equipa criativa (eu, a Andreia Esteves, o Rui Melo e o Henrique Dias), isto não se deve tornar um hábito. E, por outro lado, temos muitos outros projetos que gostávamos de ver feitos”, explicou.
“Adoramos fazer o ‘Pôr do Sol’, mas não nos queremos cingir a ser a equipa que fez o ‘Pôr do Sol’, vamos querer fazer mais coisas.”
Para já, a ideia da equipa é “parar e fazer com que as pessoas fiquem com saudades, e manifestamente não fazer uma terceira temporada nos moldes em que as pessoas estão a pensar, que é ‘no verão há Pôr do Sol’”.
“Isso para nós é ‘matar o bicho’, que se quer original e sobretudo sempre um bocadinho disruptivo. Provavelmente vamos pensar numa coisa completamente diferente, a vir brevemente ou daqui a uns tempos”, contou Manuel Pureza.
Dentro da série há uma banda, Jesus Quisto, com dois EP disponíveis nas plataformas de ‘streaming’ e que até já esgotou das vezes o Teatro Maria Matos, em Lisboa, no dia 22 de agosto.
Algo que espantou a equipa, visto que “tirando o Cristóvão Campos [o Diogo na série], que é um músico excelente, nenhum dos outros toca nada e muito menos canta, cantam no banho e não está mau”. Apesar disso, “são todos os dias requisitados em concertos para todo o lado”.
Por trás das músicas, que Manuel Pureza acredita que “vão durar para lá da série”, está Rui Melo, “um compositor nato”, que, além de um dos criadores de “Pôr do Sol”, veste a pele de Simão.
O realizador adiantou que “no último episódio há uma informação fulcral no que toca ao futuro dos Jesus Quisto”, mas escusou-se a revelar detalhes.
Além das músicas, há outras coisas que durarão para lá da série: a linha de ‘merchandising’, “da inteira responsabilidade da Telma Tavares, uma fã”.
“Um dia interpelou-nos no Twitter, mostrou-nos a ideia e dissemos ‘lança à vontade’ essa marca. É algo faz parte da apropriação de um projeto deste género”, referiu Manuel Pureza, explicando que a produtora Coyote Vadio cobrou “uma coisa simbólica pelas ideias, mas a partir daí a exploração foi por parte da Telma e da sua Forevers & Evers, e tem funcionado muito bem”.
Para o realizador, “criar memórias nas pessoas é fundamental num projeto deste género, e pode ser num saco ou numa t-shirt”, com palavras como “Jesus Quisto”, “Odeio ser pobrezinha”, “Santas tardes, classe operária”, “Detesto mulheres mais altas do que eu” ou “Sunny beaches & mariske”.