Desde o dia 18 de abril que um cabaz de mais de 40 bens alimentares essenciais beneficia de IVA a 0%. Mas os preços não desceram na mesma proporção. A Deco Proteste diz que nem todos os produtos baixaram de preço e naqueles em que houve baixa de preço, essa descida foi inferior a 6%. Com este facto em vista, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) vai agora partir para o terreno.
A ASAE não está ainda a fazer fiscalização do cumprimento do IVA Zero no cabaz de bens alimentares; isso só vai acontecer nos próximos dias. Segundo adianta o inspetor-geral Pedro Portugal Gaspar na Renascença, o organismo está a dar um período de tolerância, até por causa da informação errada de que os comerciantes teriam 15 dias para se adaptar às novas regras.
“Estamos a dar aqui algum prazo para absorção da medida. E vamos em breve fazer ações de fiscalização do cumprimento do IVA Zero.”
Questionado sobre o prazo de tolerância de 15 dias -- porque ao contrário das grandes cadeias, que têm capacidade para se adaptar às novas regras de um dia para o outro, as mercearias de bairro não -- Pedro Gaspar diz que não falou "propriamente em 15 dias".
"Estamos a dar um prazo que consideramos razoável, até porque esse é um procedimento habitual que temos. Mas neste caso, houve a agravante de alguma confusão informativa. E portanto achamos que é importante dar aqui uma tolerância para a absorção da medida. E depois iremos fazer as ações de fiscalização, para verificamos se ainda continua ou não a ser aplicado no preço de venda ao público uma parcela que já não pode ser aplicada em caso algum, que é um IVA de 6%.”
Por enquanto, a ASAE tem estado apenas a monitorizar a evolução dos preços dos produtos de marca branca em cinco cadeias de distribuição. E a primeira conclusão a que chegou indica uma descida média dos preços na ordem dos 6%, em linha com o valor do IVA anteriormente aplicado.
"São relatórios relativamente rápidos. É aquilo que eu costumo chamar de relatórios radar, para ter uma perceção relativamente instantânea, em 48 horas, para termos uma sinalização. A sinalização qual foi? Descida. Muito bem, deu os tais 6,2% de descida dos preços. De qualquer forma, os relatórios da ASAE não são estudos de mercado, isso caberá a outras entidades", explica, antes de adiantar:
"Os nossos são relatórios que visam dar um manancial informativo para eventuais inspeções que se justifique fazer, em função dos dados recolhidos.”
No pacto que assinaram com o Governo, os distribuidores comprometeram-se não só a repercutir nos preços a descida do IVA dos 6 para os 0%, mas também a prestar informação clara e precisa aos consumidores. E nesta segunda promessa as grandes cadeias de distribuição não falharam, diz a diretora de comunicação e relações institucionais da Deco Proteste.
Rita Rodrigues já não faz o mesmo elogio relativamente à descida dos preços. "No cômputo geral, no cabaz, consumidor não está a ter o impacto mínimo desejado que seria uma redução de 6%. Há produtos que descem bastante mais, mas a maioria dos produtos desce menos do que os 6%.”
Grande superfícies vs. mercearias de bairro
A Deco Proteste faz uma avaliação semanal dos preços dos bens alimentares e, dos 41 produtos analisados, constatou que só 39 registaram uma descida. Em 36, a descida foi inferior ao IVA. A coordenadora da Deco Proteste confirma que houve aumentos nos preços logo a seguir ao anúncio de que iria haver suspensão do IVA.
"Nós começámos a monitorizar o IVA Zero logo no dia em que ele foi anunciado, a 12 de abril. E percebemos que, quando comparamos com o dia 12 de abril, existem alguns efeitos de aumento de preços. Não o podemos afirmar, porque não temos a certeza da razão daquele preço, mas existe alguma tendência para um nivelamento e um aumento de preço, antecipando o que viria posteriormente.”
Rita Rodrigues diz que os grandes distribuidores não tiveram dificuldade em se adaptar ao IVA Zero. Mas o mesmo já não pode ser dito das lojas de bairro.
"O comércio local tem sentido algumas dificuldades. Temos recebido alguns relatos de consumidores que foram à mercearia de sempre e perceberam que continua a ser aplicado o IVA a 6%. Aí o que nós fazemos é um primeiro contacto, porque muitas vezes é por desconhecimento ou incapacidade de adaptação. Se a situação não for retificada, fazemos a denúncia à ASAE.”
A ASAE coordena uma estrutura criada pelo Governo para monitorizar a aplicação do IVA Zero, a Comissão de Acompanhamento do Pacto para a Estabilização e Redução dos Preços dos Bens Alimentares, que até agora, revela Pedro Portugal Gaspar, reuniu uma vez para analisar os primeiros resultados da monitorização de preços feita pela ASAE.
Observatório de Preços já devia estar a funcionar
Quanto ao Observatório de Preços, está em fase preliminar. O inspetor-geral da ASAE admite que, quando estiver em funcionamento, pode ter um papel complementar.
"Os nossos relatórios são muito informativo-policiais, para a atuação de radar. Eu admito que este observatório tenha uma missão diferente, que é de facto um conhecimento de funcionamento do mercado, com estudos, com inquéritos à população, que nunca estariam na missão da ASAE fazer."
Nesse sentido, o responsável admite que este observatório "pode ter um objetivo diferente e que poderá haver sinergias quando estiver em funcionamento".
"Para já, está ainda em processo de adjudicação para as empresas outorgantes. Quando começar a desenvolver o trabalho, admito que venha a haver esses contactos entre as estruturas da agricultura e as do Ministério da Economia.”
A diretora da Deco Proteste lembra que o Observatório foi criado em outubro 2022, pelo que já devia estar em funcionamento, até porque "a parcela do IVA não é a que tem maior impacto no preço dos bens alimentares", destaca.
"O Observatório poderia ajudar numa lógica de formação do preço. Poderia ter um papel muito importante na formulação de medidas transversais para ajudar o consumidor, que está a viver um momento muito difícil. Nós sempre dissemos que só o IVA Zero não chega. São necessárias outras medidas.”
Rita Rodrigues espera, no entanto, que a suspensão do IVA no cabaz de 46 bem essenciais seja prolongado para lá de 31 de Outubro, atual prazo definido pelo Governo. A responsável sublinha que, com base nos estudos da Deco Proteste, são já 44% os portugueses com dificuldade em pagar a conta do supermercado.
As declarações foram proferidas ao programa Em Nome da Lei, editado pela jornalista Marina Pimentel, transmitido aos sábados ao meio-dia na Renascença e sempre disponível nas plataformas de podcast habituais.