Sete anos depois da resignar, aos 92 anos, Bento XVI quebra o silêncio para defender o celibato dos padres, num livro escrito a quatro mãos com o cardeal Robert Sarah.
Com o título, “Des profondeurs de nos coeurs” (Das profundezas dos nossos corações), o livro editado pela Fayard, será publicado em França na próxima quarta-feira, dia 15.
O livro é constituído por textos do Papa emérito e do cardeal guineense. Segundo o jornal Figaro que na edição desta segunda-feira antecipa excertos da obra, ambos os autores consideram-se “bispos” em “obediência filial ao Papa Francisco”, que “procuram a verdade”, em “espírito de amor à unidade da Igreja”.
Os autores citam a frase Santo Agostinho “Silere non possum!” (Não posso calar-me!), para se referirem ao “estranho sínodo dos media”, no contexto do último sínodo dos bispos sobre a Amazónia e pedem à Igreja para não se deixarem “impressionar” por esquemas e estratégias “teatrais”, nem pelas “mentiras diabólicas” e “erros da moda que querem desvalorizar o celibato sacerdotal”.
Bento XVI defende teologicamente as raízes do celibato, recusa as teses do luteranismo e demonstra que sacerdócio e celibato estão unidos desde “a nova aliança” de Deus com a humanidade realizada em Jesus. O Papa emérito sublinha o caracter ontológico do celibato: “da celebração diária da eucaristia, que implica um estado ao serviço de Deus permanente, nasce espontaneamente a impossibilidade de uma ligação matrimonial. Pode-se dizer que a abstinência sexual que era funcional, transformou-se ela própria em abstinência ontológica.”
O livro, com 175 páginas, considera “urgente e necessário que todos, bispos, padres e leigos, recuperem um olhar de fé sobre a Igreja e sobre o celibato sacerdotal que protege o seu mistério”.
A sua publicação, para já em língua francesa, antecipa-se à Exortação apostólica pós-sinodal do Papa Francisco, onde se conhecerá a sua decisão sobre o pedido dos padres sinodais para se ordenar homens casados, a título excecional, na região pan-amazónica.
A confirmar-se a autorização para se ordenarem homens casados na região amazónica tratar-se-á de uma inovação em relação à tradição de quase mil anos de sacerdócio na Igreja Católica de rito latino. Apesar de a Igreja de rito latino ser de longe a maior, a Igreja Católica inclui mais de 20 ritos conhecidos como orientais, que têm a sua própria liturgia e tradições, incluindo, em quase todas, a possibilidade de se ordenar homens casados. Já existem, por isso, milhares de padres católicos casados.
A par dessa realidade existem vários casos em que padres anglicanos, ou de outras igrejas protestantes, pediram para entrar em comunhão com Roma e voltaram a ser ordenados, não obstante serem já casados. A mais recente vaga que aderiu à Igreja Católica fê-lo ao abrigo de uma autorização concedida precisamente por Bento XVI, há pouco mais que uma década, para membros da Igreja Anglicana que queiram entrar em comunhão com a Igreja Católica, sem perder partes do seu património litúrgico e espiritual.
Vaticano desdramatiza
A notícia da publicação do livro, sobretudo nesta altura, gerou alguma controvérsia, com insinuações de deslealdade por parte de Bento XVI, que quando resignou prometeu que se ia remeter ao silêncio.
Esta segunda-feira a Santa Sé procurou distanciar-se de qualquer interpretação polémica, através de um comunicado da autoria do porta-voz da Sala de Imprensa.
O comunicado recorda que mesmo que seja adoptada uma solução diferente para a Amazónia, devido à escassez de padres, Francisco também valoriza o celibato e não pretende fazer da exceção a regra.
"É conhecida a posição do Santo Padre sobre o celibato. Durante a conversa com os jornalistas, no regresso do Panamá (janeiro 2019), o Papa Francisco afirmou: 'Lembro-me de uma frase de São Paulo VI: prefiro dar a minha vida antes de alterar a lei do celibato' e acrescentou: 'Pessoalmente penso que o celibato é um dom para a Igreja. Eu não concordo que se permita o celibato opcional, isso não. Permaneceria apenas alguma possibilidade nas localidades mais remotas – penso nas ilhas do Pacífico… - quando há necessidade pastoral, aí, o pastor deve pensar nos fiéis'", lê-se.
"Sobre o modo como este argumento se insere no trabalho mais geral do recente Sínodo sobre a região Pan-amazónica e sua evangelização, durante a sessão conclusiva, o Santo Padre afirmou: 'Apreciei muito que não tenhamos ficado prisioneiros destes grupos seletivos que, do Sínodo, só querem ver o que foi decidido sobre este ou aqueloutro ponto intra-eclesiástico e negam o corpo do Sínodo que são os diagnósticos que fizemos em quatro dimensões' (pastoral. Cultural, social e ecológica)".
[notícia atualizada]