O bastonário da Ordem dos Farmacêuticos (OF) avisa que, se a falta de medicamentos persistir, Portugal “poderá ter de enfrentar uma crise de saúde pública”.
O alerta feito na Renascença por Hélder Mota Filipe surge numa altura em que a rutura de stock de vários fármacos está a impedir milhares de portugueses de aviar as receitas nas farmácias.
“Falhas no abastecimento de medicamentos sempre aconteceram e vão continuar a acontecer. O que me preocupa mais é o aumento desta frequência”, refere o bastonário da OF.
“Continuamos com um número significativo de falhas no mercado. Nem todas são ruturas de stock completas, são dificuldades maiores das farmácias conseguirem aceder a estes medicamentos”, acrescenta Mota Filipe, que reconhece que a situação é um problema para os farmacêuticos, que “passam grande parte do seu tempo, que devia ser assistencial, a tentar identificar fornecedores alternativos para continuar a ter os medicamentos”.
No terreno, a situação tarda em ser resolvida e o bastonário dos farmacêuticos admite que não há, nesta altura, instrumentos que respondam às necessidades dos pacientes que procuram os seus medicamentos nas farmácias.
Mota Filipe diz que “é preciso rever a forma como os medicamentos estão a ser comparticipados e como é que estamos a garantir o acesso dos doentes a estes medicamentos. Quanto mais tarde fizermos isto, maior é a probabilidade para aumentar os problemas de acesso que já temos”.
Às tensões internacionais – com uma pandemia recente e uma guerra, ainda, sem à vista – junta-se a inflação e o aumento do custo das matérias-primas que encarecem a produção de fármacos.
Por outro lado, a exportação de medicamentos também contribui para o acesso condicionado na dispensa à comunidade, situação que, no início do ano, levou o Infarmed a proibir a venda ao exterior de mais de uma centena de medicamentos.
Mas isso “não resolve o problema”, alerta o bastonário da OF, que pede um “maior esforço para identificar as causas dos problemas e tentar ser mais proativo e menos reativo”.
Nesse sentido, a solução poderá passar pela criação de uma reserva estratégica de medicamentos – à semelhança da que existiu durante a pandemia de Covid-19, e que foi descontinuada.
“Eu acho que a necessidade de ter uma reserva estratégica é fundamental, não tanto para resolver estes problemas, mas para termos um conjunto de medicamentos por razões de saúde pública ou de catástrofe, quando realmente precisarmos deles”.
Caso contrário, “o país poderá ter de enfrentar um problema de saúde pública”, avisa.
Asmáticos em perigo
Entre os medicamentos em falta nas farmácias, estão, sobretudo, os antibióticos pediátricos, antidiabéticos, alguns medicamentos genéricos mais baratos e tratamentos para a asma.
Em declarações à Renascença, a presidente da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC) alerta para o risco de descontrolo da doença, uma vez que o tratamento da asma pressupõe a combinação de um corticoide com um broncodilatador.
Ana Cristina Morête admite que as sucessivas ruturas de stock destes fármacos têm obrigado os médicos a adaptar as associações previstas nos protocolos terapêuticos, o que pode trazer consequências graves para os doentes: “podemos perder o controlo”, principalmente se o problema “se mantiver durante mais semanas”.
Apesar de estarmos a aproximar-nos de uma época do ano em que as infeções respiratórias tendem a ser em menor número, a presidente da SPAIC lembra que “esta altura em que estamos cheios de pólenes tem sido muito complicada, porque temos tido muito agravamento da doença alérgica, portanto, acho que estamos numa fase muito crítica”, com doentes que correm perigo de vida.
Ana Cristina Morête define a asma como “uma doença que se controla facilmente com medicação adequada e com as medidas de cuidado e de educação e de promoção da saúde”.
Mas, “se esta situação se prolongar, se o doente não tem o corticoide inalado, vai começar a ter agudizações atrás de agudizações, começa a perder o controlo da doença, aumenta as idas a recursos de cuidados de saúde não programados e tudo isso pode evoluir para mortalidade e morbilidade grandes e, é importante não esquecer, ainda se morre de asma em Portugal”.
Falhas pontuais, garante Ministério da Saúde
A Renascença confrontou o Ministério da Saúde com estas preocupações. Na resposta, o gabinete de Manuel Pizarro diz que "não tem conhecimento de falhas generalizadas a nível nacional, podendo ocorrer situações pontuais e localizadas" e que estas são "objeto de intervenção por parte da entidade competente, em diálogo com os operadores, que têm a responsabilidade de planear o abastecimento do mercado, dispor de stocks de segurança, instrumentos e mecanismos para evitar a ocorrência de ruturas, notificando atempadamente a autoridade do medicamento".
A tutela acrescenta que "foram, também, iniciados os trabalhos com vista à criação de uma lista de medicamentos essenciais, críticos, cuja disponibilidade será monitorizada de forma particular e em relação aos quais serão tomadas medidas específicas que podem incluir a revisão excecional de preço".
"Está igualmente a ser estruturado um mecanismo de identificação de medicamentos com custo excessivo, por referência ao aumento do volume de vendas e da quota de mercado, pretendendo-se uma redução, a médio prazo, dos respetivos preços", conclui a nota.