O PS e o Bloco de Esquerda (BE) admite um reforço de sanções na “velhinha” lei das incompatibilidades após o caso da ex-secretária de Estado do Turismo Rita Marques, que foi trabalhar para uma empresa do setor após a atribuição de benefícios.
Diversos juristas declararam prontamente que esta transição viola a lei, mas reconhecem que, no caso concreto, as sanções previstas não se aplicam a Rita Marques porque o legislador deixou essa porta aberta, na Lei 52/2019,.sobre o exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.
Diz o artigo 10 que "os titulares de cargos políticos de natureza executiva não podem exercer, pelo período de três anos, funções em empresas privadas que prossigam atividades no setor por eles diretamente tutelado e tenham beneficiado de incentivos financeiros e benefícios fiscais de natureza contratual, ou relativamente às quais se tenha verificado uma intervenção direta do titular de cargo político".
Qual é a sanção prevista para os infratores? O que está previsto no artigo 11 da mesma lei é que a infração determina a inibição para o exercício de funções de cargos políticos e de altos cargos públicos por um período de três anos. Como Rita Marques está agora no setor privado, esta sanção não tem, para si, qualquer efeito prático.
Foram os deputados da já "encerrada" Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas que não previram uma sanção efetiva para um caso como o de Rita Marques.
O deputado socialista Pedro Delgado Alves, que era o coordenador do PS nessa Comissão, diz que o caso da ex-secretária de Estado apanhou o Parlamento de surpresa, porque a lei vinha sendo a ser cumprida.
“Durante muitos anos tem-se mantido esta sanção: inibir o exercício de funções públicas durante um determinado período de tempo. Tem havido um grau elevado de cumprimento da lei”, afirma Pedro Delgado Alves, à Renascença.
O deputado do PS considera que no caso de Rita Marques a lei das incompatibilidades foi violado de “forma clara”.
“Há uma assertividade na forma como a antiga secretária de Estado diz: ‘aqui não há problema nenhum’, que colide com a interpretação jurídica que todas as outras pessoas fazem da norma. Nesse sentido há esse grau de surpresa.”
Pedro Delgado Alves reconhece que é altura de repensar as sanções previstas na lei, que poderão vir a incluir as empresas contratantes.
“Um deles pode passar por rever o quadro de sanções. Se calhar, tendo em conta que não é só na esfera do antigo titular que deve haver alguma inibição, mas a própria empresa que vai contratar a pessoa, ciente de que foi beneficiada por um ato praticado por aquela pessoa, se calhar também não deve ficar fora da fotografia, porque de alguma maneira também é parte envolvida.”
O deputado socialista admite sanções para as empresas que contratarem antigos titulares de cargos públicos em violação dos critérios da lei. “Pode ser uma possibilidade, já tenho ouvido essa sugestão, nós próprios já a ponderamos. Por exemplo, uma inibição de participar em procedimentos de contratação pública ou de aceder a determinados benefícios”, sublinha.
Também o deputado bloquista Pedro Filipe Soares ajudou a construir a lei 52/2019. O líder parlamentar do Bloco de Esquerda alega que as sanções previstas foram ultrapassadas pela realidade e defende a revisão da lei.
“Por vezes, as leis ficam ultrapassadas perante a realidade. quando os mecanismos existentes na lei são insuficientes - e aparentemente foram - nós devemos repensar a lei e temos a abertura para, com ponderação, fazer essa revisão da lei no futuro. Claramente, as sanções devem ser repensadas para tornar mais forte a defesa do interesse público. Ainda não temos nenhuma proposta pensada. Não queremos legislar a quente, para não estar a correr atrás de um caso concreto, mas é um debate que vamos abrir a breve prazo. No próximo mês ou dois meses fazer essa apresentação”, adianta Pedro Filipe Soares.