O poder executivo poderá utilizar a Polícia Judiciária para tentar interferir nos inquérito criminais. O receio é manifestado pelo secretário-geral do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), em declarações ao programa de informação da Renascença “Em Nome da Lei.”
Em causa está uma recente diretiva da Procuradora-Geral da República que vem obrigar os procuradores titulares dos inquéritos a informar o seu superior hierárquico sobre todas as diligências que queiram fazer em processos mediáticos, podendo as chefias dar ordens e instruções.
Adão Carvalho explica que "o receio dos magistrados do MP é que essa intervenção da hierarquia, e se calhar a experiência tem-no demonstrado, possa ser provocada por pressões exteriores, por exemplo, através da Polícia Judiciária, que é o órgão de polícia criminal que mais colabora e coadjuva o MP nesse tipo de processos e que é uma entidade que está dependente do poder executivo”.
O secretário-geral do SMMP afirma: "Não excluímos que possa por essa via haver tentativas de intervenção nos processo."
Adão Carvalho defende que "sobretudo em mega processos, o superior hierárquico não terá condições de conhecer os detalhes do caso como o procurador que foi encarregado do inquérito”.
Nestas circunstâncias, ”a sua intervenção em nada vai contribuir para a descoberta da verdade”. Pelo contrário, defende o dirigente sindical, pode ser uma janela para a interferência política na investigação criminal.
"Nos dias que correm, um procurador tem mais poder do que qualquer juiz”
Os receios dos procuradores sobre a intervenção da PGR não são partilhados por João Correia. O antigo secretário de Estado da Justiça e membro do Conselho Superior do Ministério Público não vê "como a intervenção hierárquica nos inquéritos criminais pode pôr em crise a autonomia dos Ministério Público”.
"A ordem ficará escrita e portanto toda a gente vai poder saber”, argumenta João Correia.
O antigo secretário de Estado reconhece que “a diretiva de Lucília Gago deveria ter passado pelo Conselho Superior do Ministério Público [órgão de disciplina e gestão]", mas entende que a intervenção da PGR “é necessária porque o Ministério Público está doente”.
A intervenção hierárquico nos inquéritos-crime "é o antibiótico necessário”, diz o advogado, argumentando que "o Ministério Público adoeceu porque deixou de ser um corpo uniforme e cada magistrado faz agora o que quer e como quer”.
A autonomia que existe "é a autonomia individual de cada magistrado”, reforça.
O antigo membro do órgão disciplinar e de gestão do MP diz mesmo que “nos dias que correm, um procurador tem mais poder do que qualquer juiz”.
"Procuradores andam em roda livre”
O advogado Paulo Saragoça da Matta admite que “nos 20 anos iniciais da sua carreira, defendeu que a autonomia do MP era algo de imprescindível", mas, "nos últimos anos”, mudou de opinião, "talvez por ter sido advogado em vários processo mediáticos”. O penalista diz que “os procuradores andam em roda livre”.
Saragoça da Matta considera que "a Justiça que está doente é aquela que envolve os casos mediáticos porque, em relação aos processos de gente anónima, tudo decorre normalmente” .
O advogado penalista assume que tem constatado uma crescente falta de independência do MP. Os procuradores primam pela parcialidade: "Em vez de procuraram a verdade, querem acusar a todo o custo sempre que estão em causa figuras mediáticas."
Paulo Saragoça da Matta conclui dizendo que “é necessário tomar medidas, embora não tenha a certeza de que a diretiva que permite a intervenção da hierarquia do MP nos inquéritos-crime seja a solução para a situação de roda livre que se vive atualmente”.
O advogado admite que “seria melhor, em sede de revisão constitucional ,procurar um novo modelo para o Ministério Público que sirva efetivamente a defesa dos direitos liberdades e garantias dos portugueses”.
São declarações ao programa de informação da RR Em Nome da Lei, em que também participou Paulo Dá Mesquita, que fez carreira no MP e é atualmente juiz conselheiro do Tribunal de Contas.