As políticas de imigração podem servir para combater a perda de população. Sob esse mote decorreu o segundo painel da conferência "O Inverno Demográfico - O papel da imigração", em Vila Nova de Gaia, esta segunda-feira.
Neste debate, moderado pelo jornalista da Renascença José Pedro Frazão, participaram a vereadora da Cultura de Vila Nova de Gaia, Paula Carvalhal, Carlos Carreiras, presidente da Câmara Municipal de Cascais, e João Efigénio Palma, presidente da Câmara de Serpa.
Para Paula Carvalhal, as escolas representam um importante veículo de integração, mas a "cultura também é uma porta de diálogo". O exemplo gaiense demonstra que é possível "angariar" novos cidadãos, não só integrando jovens alunos nas turmas, mas também utilizando associações desportivas e culturais, por exemplo, como "ponte" ou "pontos de ajuda" que "encontram soluções". São, muitas vezes, as mais de "300 associações culturais" de Vila Nova de Gaia, diz Paula Carvalhal, que "são a ponte para ultrapassar as primeiras dificuldades" e desenvolver "atividades integradoras".
"Não temos o problema da integração na escola, infelizmente"
Graças a este trabalho "de rede", muitos dos jovens que chegaram há pouco a Gaia "já se integraram e fazem parte da vida ativa" da cidade, admite a vereadora. Tal cenário não se coloca, por outro lado, em Serpa.
"Não temos o problema da integração na escola, infelizmente", lamenta. Os imigrantes que a cidade recebe são, na sua maioria, trabalhadores sazonais, o que não ajuda a "criar condições ou perspectivas" para integrar novos munícipes.
"Como temos culturas sazonais, precisamos de pessoas um mês ou três semanas... pessoas que sabem que se vão embora. Se as pessoas só estão um mês é difícil estabelecer o contato. Quando se começa esse contacto eles vão embora para outro local", desabafa.
Junta-se a isso o "problema psicológico da insegurança", que não é real, mas afeta a população local, "mais envelhecida", como outro dos factores que pouco abona à mudança.
De resto, a imigração é um tema caro a João Efigénio Palma, que foi notícia em 2022 ao dar um "murro na mesa" para exigir uma resolução para a questão de um grupo de trabalhadores timorenses imigrantes que foram realojados temporariamente num pavilhão depois de serem encontrados a viver numa habitação sem condições.
"Muito dificilmente alguém se fixa num território sem médico de família"
Sobre o caso, o presidente da Câmara de Serpa diz que, apesar dos timorenses terem sido, no entretanto, realojados, "o problema principal ainda não está resolvido". "As aprendizagens foram poucas", lamenta.
No entanto, nem tudo é negativo. João Efigénio Palma salienta "uma comunidade de moldavos" que se fixou numa das localidades do concelho e que são "a razão para se manter a escola aberta". "Há aqui fenómenos de integração que fazem relançar a esperança", admite. Para o autarca, poderá ser possível "dar a volta" ao oferecer condições "para a criação de pequenas empresas".
"Há que acreditar que conseguimos que as pessoas se fixem, mas não é por aí que se resolve o inverno demográfico", acredita. "Podemos dar uma achega boa com a fixação de migrantes, alterando naquilo que for possível o tipo de culturas e a oferta de trabalho, criando condições atrativas para as pessoas se fixarem no territorio", diz, mas salienta que "qualquer geração leva 20, 30 anos a constituir-se".
A solução poderá passar pela descentralização de competências? João Efigénio Palma defende uma "maior proximidade na capacidade de decisão", que poderia passar pela regionalização. O que falta, apesar de tudo, é "investimento na acessibilidade, na saúde, na educação". "Muito dificilmente alguém se fixa num território sem médico de família", acrescenta.
"As autarquias têm um capital muito grande que é estarem próximas"
Já o presidente de Cascais, por seu lado, defende a descentralização. "Temos aderido a tudo e temos tido uma boa experiência na generalidade das competências que nos têm sido conferidas", admite, repetindo que a descentralização, "tendo por base o princípio da proximidade", o país "pode beneficiar e evoluir cada vez mais".
"As autarquias têm um capital muito grande que é estarem próximas", considera, lamentando que, "muitas vezes", o poder local seja "colocado como segunda linha" e "desvalorizado".
Quanto às migrações, o presidente de Cascais acredita que é "uma questão de desenvolvimento, mas também de necessidade". "Precisamos de migração. Pode ser um fator absolutamente essencial para o nosso desenvolvimento", repete.
"Em Cascais não há estrangeiros"
Usando a questão ucraniana como exemplo, Carlos Carreiras admite que "aquilo que foi doado para a Ucrânia sobra nos nossos armazéns" e está a ser "distribuído pelas várias instituições de âmbito nacional, que estão a beneficiar disso". Ou seja, as sinergias criadas beneficiam todos os envolvidos. "Hoje em dia isso é fácil, porque desenvolvemos um conjunto de ações assentes na democracia representativa e na comunidade toda, envolvida, a contribuir de forma positiva para garantir que os problemas são resolvidos à medida que aparecem".
O cenário, no entanto, só funciona se não olharmos para o outro como outro, defende. "Temos em Cascais representadas mais de 80% das nacionalidades do mundo. Gostamos de dizer que, em Cascais, não há estrangeiros", diz. Para garantir essa integração há iniciativas que são apoiadas, como a criação de "embaixadores" que fazem a integração de novos alunos nas escolas ou a implementação de centros de apoio e acolhimento dentro dos bairros.
Carlos Carreiras tem, apesar disso, noção de que "Cascais não é igual a Serpa". "Temos capacidade financeira para o fazer", admite. Não é a única "autarquia metropolitana" nessa situação. Aliás, Carreiras defende mesmo que "as autarquias nunca tiveram tanto dinheiro como têm agora". "Muitas das vezes têm é pouca capacidade de produção", defende.
"Não é um cheque de mil euros que leva um casal a ter um filho"
Analisados todos os cenários, outro debate surgiu no meio do debate: a natalidade. Neste capítulo, Cascais e Serpa afunilam distâncias e Carreiras e Palma figuram lado a lado: nenhum deles acredita que nascem menos crianças em Portugal por questões monetárias. "Não acredito que que a solução seja meter dinheiro em cima do problema", diz Carreiras, que salienta a necessidade de garantir emprego e habitação, por exemplo, aos mais jovens como fatores diferenciadores.
Palma também diz o mesmo: "Não é um cheque de mil euros que leva um casal a ter um filho", diz. "Os filhos são os maiores projetos das nossas vidas. Não é um cheque que vai garantir isso".
"É preciso apoiar as creches, as instituições, apoiar actividades para as famílias... Um jovem sai de casa dos pais, em média, com 34 anos ou mais. Os jovens têm falta de esperança, só têm condições demasiado tarde", lamenta, salientando a "insegurança no trabalho" e ordenados baixos como fortes impeditivos para os jovens constituírem família mais cedo.
"Temos de criar condições para que os nossos jovens tenham uma perspetiva de vida mais digna", remata João Efigénio Palma.
Carlos Carreiras também acredita que as cinco filhas que teve foram os seus maiores projetos na vida, mas admite que os jovens, hoje em dia, tenham dificuldade em encarar um futuro tranquilo. A culpa também é do Estado, diz.
"O Estado não pode estar a esgotar-se em falta de confiança, em políticas de ziguezague. Sempre que faz isso as pessoas perdem confiança", indica. "O Estado tem de ser confiável e garantir recursos", reitera, mas não deixa de lado a responsabilidade das câmaras, que têm de assegurar meios para ajudar a comunidade.
"Cascais tem receitas próprias porque desenvolveu estratégias. Se não há um caminho que se siga as coisas vão acontecer de forma aleatória, por sair a sorte grande... mas as câmaras não podem apostar no Euromilhões", remata.