As desventuras recentes da TAP são um episódio de uma longa história. O que dizer dos anos, até à privatização, praticamente desde 1975, salvo uma ou outra exceção, em que a empresa acumulou prejuízos e dívida? E do período em que a empresa esteve privatizada, continuando com prejuízos, bem antes da pandemia, numa altura de grande crescimento do tráfego?
Entretanto, a TAP teve lucro no ano passado. Pouquinho, face ao capital investido, mas teve. O que é anormal: a TAP, empresa dita estratégica, controlada pelo Estado, ter tido lucro no ano passado ou ter andado a acumular prejuízos em anos, décadas, consecutivos? Estranhamente, é ter tido lucro! Também é esquisito termos aceitado os prejuízos como uma coisa que fazia parte da nossa normalidade.
A TAP é um caso particular de um problema com que andamos às voltas desde o 25 de Abril: como é que o Estado se deve relacionar com as empresas? Não é difícil recordar as desgraças nesta relação ao longo dos últimos 50 anos. Os nossos governos não têm conseguido manter relações respeitosas nem duradouras com as empresas. Não se sabem comportar, como se diz habitualmente.
O que se pode fazer? O Dr. Passos Coelho optou por uma política inspirada numa versão básica de liberalismo económico e procurou reduzir rapidamente a área de intervenção do Estado, privatizando o que de mais lucrativo ainda havia para privatizar e, sendo possível, o que dava prejuízo, como a TAP.
No que diz respeito à TAP, o Dr. António Costa parece ter chegado a ideia semelhante, mas por vias diferentes. Defende a privatização, depois de ter começado por defender que a TAP devia ser pública e de comparar os aviões às caravelas.
A bem dizer, a comparação dos aviões com as caravelas levaria a que se pensasse na privatização da TAP. Na expansão marítima portuguesa sempre houve navios e empreendimentos com financiamento privado. A expansão baseou-se em parcerias público-privadas se quisermos abusar um pouco do termo e da paciência do leitor.
No entanto, tenho para mim que não foi por explorar as consequências da sua analogia que o primeiro-ministro passou a achar que privatizar a TAP era uma grande ideia. Arriscaria outra explicação: concluiu que o Estado não conseguia gerir a empresa, dada a força relativa dos vários interesses em presença e que os problemas se iriam acumulando para o seu governo.
Mas se não há Estado capaz de gerir a TAP, temos Estado para gerir o quê?
Posições ideológicas genéricas do tipo “o Estado não sabe gerir empresas”, inerentes a algumas versões locais de liberalismo, ou do tipo “o Estado tudo resolve”, que caracterizam versões locais da esquerda socialista, não parecem interessantes. A TAP tem sido um bom exemplo de um Estado que não resolve, mas complica. Em sentido contrário, não se vai dizer, antes pelo contrário, que o Estado francês, ou o alemão, ou o finlandês, ou o sul-coreano, deram cabo das empresas de que eram, ou são, acionistas.
Julgo que, além de ter de ser bem delimitada numa economia de mercado, a intervenção do Estado deve ser proporcional às suas capacidades técnicas e políticas, no bom sentido de qualquer dos termos. Essas capacidades são criadas, não caem do céu aos trambolhões, nem vêm anexas aos cartões de filiação partidária. Como é que têm andado as capacidades do nosso Estado ao longo das últimas décadas? Mal. Sistematicamente desvalorizadas, o que não deu bons resultados. A TAP é agora o exemplo na moda, mas, infelizmente não é o único e, possivelmente, nem é o pior.
Queremos melhorar essas capacidades? Além da conjuntura política e das redes sociais, a discussão corrente sobre a TAP só é interessante numa perspetiva instrumental: se ajudar a definir regras que forcem os governos a agir em função da prosperidade das empresas participadas pelo Estado e da qualidade dos seus serviços. Isto, mesmo sem falar das empresas privadas. Vai-se neste sentido?
João Confraria, Professor da Católica Lisbon School of Business & Economics
Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics