O fiscalista Sérgio Vasques defende que não valerá a pena taxar gorduras e açúcares por razões fiscais e que o novo imposto sobre imobiliário só compensa se for acima de 500 mil euros.
Numa entrevista à agência Lusa a poucos dias da entrega da proposta de Orçamento do Estado para 2017 (OE2017) no parlamento, o antigo secretário de Estado do segundo governo liderado por José Sócrates, afirma que um novo imposto sobre o património terá diferentes impactos consoante a forma como for desenhado, sobretudo no limite acima do qual se aplicará.
“Só vale a pena mexer nestes impostos se souber que sou capaz de ir buscar qualquer coisa acima dos 100 milhões de euros”, porque, “doutro modo, o esforço administrativo e o dano que se pode produzir sobre determinado sector verdadeiramente não nos compensa”, afirma o professor da Universidade Católica.
“O juízo que temos de fazer é este: se chegarmos à conclusão de que apenas existem condições políticas para lançar um imposto destes acima da fasquia de um milhão de euros, então vale ou não a pena produzir um impacto grande sobre esse sector a troco de uma receita pequena? Eu, francamente, tenho dúvidas”, diz.
O fiscalista sublinha que orientar este imposto para imóveis a partir dos 500.000 euros ou a partir de um milhão “tem um impacto muito grande”.
Para o professor da Universidade Católica, importa saber se se quer “voltar este imposto à classe média alta, aos profissionais qualificados, ou se se quer voltar o imposto para, no fundo, este novo mercado de estrangeiros que vêm para Portugal fixar a sua residência, com prejuízo evidente para esta área de negócio que se tem vindo a afirmar ao longo dos anos”.
Sérgio Vasques salienta que “há diferentes formas” de desenhar o imposto, através da tributação do património bruto, do desconto (ou não) do valor de dívidas que impendam sobre o sujeito passivo, da consideração da casa de morada de família ou a tributação apenas de segundas residências.
Bloco de Esquerda (BE) e PS anunciaram um princípio de acordo para a criação de um novo imposto com incidência em património imobiliário de elevado valor, avançando na altura que estava em equação a possibilidade de aplicação a imóveis com avaliação superior a 500 mil euros.
Questionado ainda sobre possibilidade do aumento da tributação sobre o alojamento local, que actualmente é de 5%, por forma a aproximá-lo ao regime que vigora para o arrendamento para habitação, cuja taxa de IRS suportada pelos proprietários é de 28%, o fiscalista pediu “alguma prudência”.
“Criar um regime para alterá-lo dois anos mais tarde não me parece um bom princípio. E é preciso dizer que, apesar da crise que estamos a atravessar, é inquestionável que o turismo é, sem qualquer dúvida, uma das áreas onde vivemos uma autêntica história de sucesso, e onde há sucesso impõe-se uma cautela redobrada”, considerou.
Taxar gorduras e açúcares?
O fiscalista considerou que criar um novo imposto sobre açúcares e gorduras “não vale a pena” para angariar receita fiscal e defendeu que a regulamentação sobre a ‘fast food’ tem mais impacto para a promoção da saúde.
“Não vejo que seja possível com impostos incidentes sobre bens deste tipo angariar uma receita maior do que 20 ou 30 milhões de euros. E, portanto, o esforço, o desgaste político, o custo administrativo não compensam a receita que isso traz”, afirmou o fiscalista.
Ainda assim, o agora professor da Universidade Católica afirma que a medida poderá ter algum impacto para incentivar uma alimentação mais saudável, mas admite que esse pode não ser o melhor instrumento.
“Se estamos a falar de gorduras, de café, de sal, o ‘fast food’, também há que pensar se o imposto é o instrumento mais adequado, mais eficaz do que a regulamentação administrativa. Será que faz assim tanta diferença cobrar um imposto sobre os hambúrgueres se se permitir que se vendam hambúrgueres dentro dos estabelecimentos de ensino secundário ou superior? Será que faz assim tanta diferença tributar as gorduras se permitir que haja máquinas automáticas com aperitivos salgados dentro dos hospitais?”, questionou.
Imposto sobre o vinho?
O “Correio da Manhã” noticiou na quarta-feira que o Governo está a estudar um aumento do imposto sobre o vinho, através de uma subida da taxa de Imposto sobre o Álcool e Bebidas Alcoólicas (IABA) a que está sujeito, que de momento é 0%, aproximando-a da aplicada à cerveja.
“Se faz sentido do ponto de vista da neutralidade concorrencial tributar o vinho como tributamos a cerveja? Sim, faz. Mas isto é do ponto de vista do princípio porque, na prática, há pelo menos duas diferenças importantes”, disse Sérgio Vasques.
Por um lado, o professor universitário destacou que “o sector do vinho cria mais emprego” e “tem uma importância económica e social que é claramente superior”.
Por outro, salientou que, “diferentemente do que acontece com a cerveja, o vinho está associado a milhares de pequenos produtores e de médios produtores e, portanto, o esforço que a administração fiscal tem de fazer para controlar estes operadores económicos e para garantir uma boa aplicação do imposto é muito maior do que quando lida com duas ou três cervejeiras”.
Por isso, o antigo secretário de Estado considera que existe “um grande dilema” no aumento da tributação sobre o vinho.
Além disso, e porque o Governo acabou por desagravar recentemente o IVA na restauração, “isto acaba por ser, de certo modo, um recuo por outra via, por uma porta travessa”, concluiu.