O chefe das Forças Armadas defendeu esta sexta-feira que "será muitíssimo difícil voltarem a repetir-se" os factos que desencadearam a Operação Miríade e assegurou que "aquelas pessoas a quem for provado que cometeram crimes" serão "sancionadas".
Reagindo a uma pergunta do deputado do Bloco de Esquerda João Vasconcelos, que interrogou se a reputação das Forças Armadas é posta em causa pela Operação Miríade e se a missão na República Centro-Africana está em risco, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) referiu que, há três dias, foi fornecida pela primeira vez "a informação dos nomes" dos militares envolvidos no processo, sendo que a maioria são ex-militares, apesar de haver alguns envolvidos "ainda em serviço".
Nesse sentido, o almirante António Silva Ribeiro salientou que não se pode "confundir aquilo que são as competências" dos comandos com os "comportamentos desviantes de uma dúzia de militares".
"Se se está a falar dos comandos e alguns militares dos comandos que cometeram eventualmente crimes, não podemos ao mesmo tempo deixar de enfatizar o extraordinário trabalho que essa força tem feito na RCA e ao serviço da humanidade", afirmou.
O CEMGFA argumentou que intervenção dos comandos na República Centro-Africana transformou "completamente o panorama operacional do país", com uma presença que disse ter ficado pautada pelo "serviço daquilo que são os valores fundamentais da liberdade e da tranquilidade das populações".
Apesar de elogiar o trabalho destes militares, Silva Ribeiro garantiu que "aquelas pessoas a quem for provado que cometeram crimes, serão evidentemente punidas" e informou que já solicitou ao Ministério Público que faça chegar às Forças Armadas as "comunicações" e "indícios que tem" para que seja dado início aos "procedimentos disciplinares".
Interpelado ainda pelo deputado socialista Diogo Leão sobre as medidas que foram tomadas para reforçar o controlo das bagagens transportadas pelas Forças Armadas, o CEMGFA salientou que todas as aeronaves mobilizadas ao serviço das Forças Nacionais Destacadas são sujeitas a uma revista cinotécnica (com cães) sendo que, sempre que há indícios de ilícitos criminais, a PJ, PJM, Autoridade Tributária e o SEF são chamados.
"Estou convencido de que com isso, com o incremento dos controlos que estamos a fazer (...) nós podemos de facto garantir que será muitíssimo difícil voltarem a repetir-se estes factos que são gravíssimos, mas que em nada deslustram o património histórico, patriótico dos comandos", indicou.
Abordando também a reputação das Forças Armadas portuguesas, o Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), general Nunes da Fonseca, salientou que não deve haver uma "extrapolação desproporcionada do que aconteceu", referindo que se "houver dez militares que não tiveram atitudes corretas" na República Centro-Africana, num universo de 1.707 militares, isso "não deslustra de modo nenhum a imagem" da instituição.
"A imagem poderá ter ficado desfocada, mas se nos cingirmos aos factos, a imagem rapidamente será focada. (...) O civismo, o patriotismo, os valores éticos também fazem parte da condição militar e ficámos constrangidos com este acontecido, mas o anseio é que esta situação seja rapidamente esclarecida para servir de exemplo do que não podia ter acontecido", disse.
Investigação começou em março de 2020
O almirante António Silva Ribeiro respondia a uma pergunta do deputado centrista Telmo Correia na Comissão de Defesa Nacional, no parlamento, sobre a fiscalização feita aos aviões militares.
O CEMGFA adiantou que o primeiro "envolvimento da Polícia Judiciária e da Polícia Judiciária Militar nos controlos em Figo Maduro [aeródromo]" foi feito "a 5 de março [de 2020], quando houve um voo de reabastecimento da Força Nacional Destacada" e depois num "voo de retração a 12 de março".
De acordo com o chefe militar, depois de conhecidas as suspeitas de tráfico de diamantes por militares em missão na República Centro Africana, o "trabalho próximo" com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a Autoridade Tributária, com a Polícia Judiciária e a Polícia Judiciária Militar "intensificou-se com a partilha de informação", a partir de janeiro de 2020.
Respondendo a uma outra questão, o CEMGFA disse também que na quinta-feira "já foi realizada uma reunião coordenada pelo EMGFA" para reanalisar "aquilo que poderá ser eventualmente a sofisticação de uma eventual rede" e para se ponderar se é necessário "rever alguns dos procedimentos" de controlo implementados a partir das duas denúncias, de janeiro e fevereiro de 2020.
"Desde os factos iniciais, daqueles do dia 2 de janeiro de 2020 e 13 de fevereiro, nunca mais as nossas forças tiveram qualquer denúncia relativa a comportamentos inapropriados de militares no teatro da República-Centro Africana ou em qualquer outro teatro", garantiu ainda o CEMGFA.
O CEMGFA e o CEME falavam no âmbito de uma audição na Comissão de Defesa Nacional, onde também participa o ministro da Defesa, sobre as suspeitas de tráfico de droga, ouro e diamantes envolvendo militares e ex-militares na República Centro-Africana.