A hotelaria é um setor muito específico, que vive muito da sazonalidade, com picos de procura, em que precisa de ter mais pessoas a trabalhar e outros, de época baixa em que não se justifica ter tantos trabalhadores efetivos. É por isso que os hotéis recorrem aos contratos a termo e em época alta, a pessoas cedidas por empresas de trabalho temporário, argumentam os hoteleiros e diretores de hotéis.
Com a vitória do PS com maioria absoluta, o governo tem mais força para pôr em marcha a Agenda do Trabalho Digno que, entre muitas medidas, define a restrição do recurso ao trabalho temporário. Foi, por isso, uma das grandes questões em debate, esta manhã, no Congresso da ADHP – Associação de Diretores de Hotéis de Portugal, que decorre em Vila do Conde.
Combater a precariedade laboral e o trabalho não declarado; promover a qualidade do emprego; proteger os trabalhadores mais jovens (estagiários e trabalhadores-estudantes), promover a conciliação entre a vida pessoal/familiar e a profissional.
Foi nestes quatro pontos que o administrador do grupo NAU resumiu os objetivos da Agenda do Trabalho Digno, que o governo quer implementar e que deverá regressar em breve à mesa das negociações na Comissão Permanente de Concertação Social.
Pontos que – frisou – merecem a concordância geral. “O problema está nos detalhes”.
Carlos Costa sublinha que tudo isto implica custos acrescidos para um setor que continua a ter uma atividade muito sazonal, nomeadamente no Algarve, região em que o grupo tem a maioria das suas unidades. “A sazonalidade é uma questão que não vamos conseguir ultrapassar tão rapidamente”.
A Agenda do Trabalho Digno prevê a limitação no recurso ao trabalho temporário e em caso de empresas não licenciadas, a empresa/entidade utilizadora tem de contratar o trabalhador, o que levou o hoteleiro a chamar a atenção para a necessidade de cuidados redobrados no recurso a esses serviços.
Pegando no exemplo do grupo NAU, referiu que tem um modelo de operação de 7-8 meses (de março a outubro) e 75% do IBIDTA (resultados depois de cumpridas as obrigações fiscais) é gerado nos 4 meses de verão. Assim, conclui Carlos Costa, com oito meses de receitas, não é possível assegurar 14 meses de salários e subsídios. Por isso é que a hotelaria recorre aos contratos a termo para o verão e ainda ao trabalho temporário, para picos ou eventos.
“O recurso ao trabalho temporário é fundamental para a hotelaria” e por isso, o administrador defende que o turismo e a hotelaria têm de ter regras de excecionalidade no Código de Trabalho. De outra forma – alerta – vamos comprometer o futuro do turismo nessas regiões com maior sazonalidade, das empresas e também dos trabalhadores, que acabam por ficar sem emprego”.
Para a Agenda do Trabalho Digno Carlos Costa deixou a sugestão de acrescentar duas rúbricas em relação ao alojamento e transportes. Defende o investimento público em habitação e num sistema de transportes que facilite a mobilidade dos trabalhadores, financiado pelo Estado, autarquias e operadores.
“Quero acreditar que o governo, quando voltar à CPCS vai ter em conta estes argumentos”.
Há um retrocesso na legislação laboral
Para Nuno Bernardo, jurista da CTP – Confederação do Turismo de Portugal e negociador da confederação na Comissão Permanente de Concertação Social, esta é uma certeza. “A partir do fim de 2022, máximo em 2023, vamos ter mais mexidas no Código de trabalho”.
Assumindo estar pouco otimista quanto aos resultados para as empresas, Nuno Bernardo frisa que o primeiro-ministro já avisou que vai haver um grande foco no combate à precariedade. E para o jurista, a intuição é o que executivo socialista, apesar de agora ter maioria absoluta e não ter de atender às exigências dos partidos mais à esquerda, vai ser pouco flexível na negociação, não tendo em conta que esta legislação condiciona muito a competitividade das empresas”.
Ainda pondo em dúvida “que esta Agenda responda à falta de mão de obra”, Nuno Bernardo garantiu que a CTP tudo fará para defender os interesses das empresas do setor e lembrou que também há precariedade do lado dos empregadores, com empresas muito pequenas e” que também tem de ser tratada”. Por outro lado, defendeu o combate á informalidade e a necessidade absoluta do debate da Agenda regressar á Concertação e não continuar no Parlamento.
Agenda do Trabalho Digno é desafio para todos
Joana Loureiro, delegada da ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho do Porto – fez questão de defender a Agenda e de “tentar trazer uma nota otimista: (A Agenda) quer promover a regularização e a valorização do Trabalho”.
A responsável da ACT lembrou que há muito trabalho não declarado, muitos falsos recibos verdes, muito trabalho temporário.
E dirigindo-se especialmente às dezenas de jovens estudantes das escolas de hotelaria e turismo de todo o país que têm acompanhado os trabalhos do congresso, assim como aos diretores de hotéis, referiu que “é muito importante que o caminho que vamos propor envolva um recrutamento ajustado, com visão de futuro. A qualificação traz exigências acrescidas, não apenas ao nível remuneratório. Os jovens (e os trabalhadores) têm direito a um vínculo jurídico contratual ajustado”.
Joana Loureiro frisou que o trabalho não declarado não interessa a ninguém, nem aos trabalhadores nem às empresas. E deu como exemplo os acidentes, que muitas vezes acontecem nos primeiros dias de trabalho, em fase de adaptação. Se o trabalhador ainda não estiver inscrito na Segurança Social (e deve ser inscrito 24h antes de começar a trabalhar) não tem qualquer proteção e o empregador também tem problemas acrescidos.
Por outro lado, a delegada da ACT considera que a Agenda do Trabalho Digno “abre a porta à dinamização da contratação coletiva, que faz imensa falta”.