O advogado e consultor Diogo Lacerda Machado terá usado a sua amizade com o primeiro-ministro, António Costa, para influenciar decisões do Governo e de outras entidades relativamente a projetos da sociedade Start Campus, segundo o Ministério Público (MP).
Segundo documentos a que a Lusa teve acesso esta quarta-feira, além da amizade com o primeiro-ministro - que apresentou na terça-feira a demissão, após se saber que era alvo de inquérito autónomo no Supremo Tribunal de Justiça, ligado a este caso dos negócios do lítio, hidrogénio verde e um ‘data center’ – Lacerda Machado tinha ainda uma relação de proximidade com Vítor Escária, através de quem terá alegadamente facilitado o acesso dos administradores da Start Campus, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, a membros do Governo.
Lacerda Machado - que foi detido na sequência da operação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal - passou a trabalhar desde o final de 2020 como consultor da Pionneer Point Partners e depois da Start Campus, auferindo cerca de 6.500 euros mensais pelo menos desde 2022. E terá sido pela sua conhecida relação de grande proximidade com o primeiro-ministro que o consultor poderia influenciar a imagem dos diferentes intervenientes junto de António Costa.
A partir de 2021, o consultor terá feito contactos regulares com António Costa e Vítor Escária, mas também com outros elementos do Governo, nomeadamente o ministro das Infraestruturas, João Galamba (constituído arguido), o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro (não arguido), e o agora ex-ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, para que fossem tomadas decisões em favor dos interesses daquela sociedade.
De acordo com o MP, Vítor Escária terá aceitado os pedidos de Lacerda Machado para intervir junto do Governo e de outras entidades nas questões que envolviam a sociedade de Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, que passaram a ter um acesso direto e regular a João Galamba.
Estes contactos foram materializados em reuniões formais, em almoços e jantares privados – que foram por duas vezes pagos ao ministro, em aparente violação do Código de Conduta do Governo - e ainda em conversas via Whatsapp. Esta atuação dos dois administradores da sociedade estendeu-se ainda ao presidente do conselho diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, também constituído arguido.
O chefe de gabinete do primeiro-ministro terá ainda apoiado Lacerda Machado, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves na pressão ao presidente da Câmara Municipal de Sines, Nuno Mascarenhas (também detido), para conferir maior rapidez às decisões potencialmente ilícitas da autarquia e em favor dos projetos da Start Campus.
Após esses contactos, o autarca do PS ter-se-á comprometido em maio deste ano a agilizar procedimentos relacionados com aquela sociedade em troca da entrega de vantagens indevidas à Câmara de Sines e de apoios financeiros a iniciativas e projetos de outras entidades relacionados com a autarquia, como o Festival Músicas do Mundo ou o Clube de futebol Vasco da Gama de Sines.
No centro da investigação, que começou em 2019, está a construção de um centro de dados de Sines, desenvolvido pela Start Campus e cuja primeira fase está já em conclusão.
Em abril de 2021, o primeiro-ministro esteve presente na assinatura do contrato para a instalação do ‘data center’, num projeto anunciado como o maior investimento estrangeiro das últimas décadas em Portugal e que poderá ascender a 3,5 mil milhões de euros.
A operação do MP, com o apoio da Autoridade Tributária e da PSP, assentou em pelo menos 42 buscas em diversos locais e levou às detenções de Lacerda Machado, Vítor Escária, Nuno Mascarenhas, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, tendo sido constituídos arguidos João Galamba e Nuno Lacasta. Os cinco detidos serão presentes a juiz hoje de tarde para primeiro interrogatório judicial.
O MP considerou haver fortes indícios de crimes de corrupção ativa e passiva de titular de cargo político, tráfico de influência e prevaricação.
O caso acabou por implicar António Costa, pois, de acordo com o comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR), “no decurso das investigações surgiu (…) o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos”, pelo que essas referências “serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça”.
Na sequência do caso, António Costa anunciou na terça-feira a sua demissão do cargo de primeiro-ministro, mas recusou a prática “de qualquer ato ilícito ou censurável” e manifestou total disponibilidade para colaborar com a justiça “em tudo o que entenda necessário”.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, aceitou a demissão e convocou para hoje os partidos para uma ronda de audiências no Palácio de Belém, em Lisboa, e vai reunir o Conselho de Estado na quinta-feira.