​Impeachment de Dilma. “Isto vai acabar mal, qualquer que seja o resultado”
17-04-2016 - 09:39
 • José Pedro Frazão

No programa "Fora da Caixa" da Renascença, Santana Lopes e António Vitorino partilham cepticismo em relação ao desfecho da crise política brasileira, marcada agora pelo pedido de destituição da Presidente Dilma Rousseff.

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A convulsão política no Brasil atinge este domingo um ponto alto com a votação do pedido de destituição de Dilma Rousseff do cargo de Presidente da República. O caso pode seguir ainda para o Senado, dando continuidade a uma batalha política que coloca em causa o lugar cimeiro da hierarquia institucional brasileira.

António Vitorino duvida que deste domingo saia uma solução pacificadora para a política brasileira. “A única coisa que sei é que isto vai acabar mal, qualquer que seja o resultado. Uma Presidente que sobrevive a um voto de destituição porque tem com ela apenas um terço dos congressistas sai politicamente ferida de morte. Porque estaria numa situação de enorme debilidade a partir do voto deste domingo”, afirma o antigo comissário europeu no programa “Fora da Caixa” da Renascença.

Já Santana Lopes tem algumas dúvidas sobre essa tese. “Às vezes, mesmo que tenha uma votação pequena, se não perde neste processo, não sei se Dilma não ganha alguma força, não sei. Confesso que é uma personagem política cuja força própria sempre duvidei muito”, acrescenta o antigo primeiro-ministro na Renascença.

A lama suja todos

A política brasileira vive dias de brasa. "Aquilo é um bocado caricato”, opina Santana Lopes. "Quando se anuncia que o partido x está a favor da destituição, os que estão de pé atrás começam aos gritos como se fosse um comício ou estivessem a tratar de um assunto de brincadeira”, descreve o comentador.

Santana Lopes fala numa “onda” anti-Dilma, ressalvando que a Presidente do Brasil "não está rigorosamente acusada de nada”. O antigo primeiro-ministro português esclarece que, não alinhando na tese de um golpe de estado, esta situação configura uma "destituição por razões políticas”.

O ex-líder do PSD assinala que o que se está a passar no Brasil atinge a classe política toda. E António Vitorino recorda que quase não há políticos brasileiros que não sejam associados ao escândalo da Operação “Lava Jato”.

“A dificuldade é depois saber se aquela lista tem alguma credibilidade. Porque a partir de certa altura, vão todos os nomes para a fogueira. Os justos e os pecadores são tratados da mesma maneira. Do ponto de vista da estabilidade do regime, isso torna muito problemático o que se está a passar neste momento do Brasil. Não estou a dizer que seja um golpe de estado. Acho que há aqui uma vertigem autofágica do sistema politico brasileiro. E os protagonistas ainda não perceberam que estão todos a atirar também nos pés”, afirma António Vitorino na Renascença.

O antigo comissário europeu compara este escândalo com o que abalou Itália nos anos 90, com profundo impacto na vida política italiana.

“Eu vivi a operação ‘Mani Polite’ (Mãos Limpas) em Itália, nos anos 90, e tenho a terrível sensação de ‘deja-vu’. Eu já vi isto. Na Itália havia um sistema de loteamento na distribuição das luvas nos concursos públicos, em função da representatividade de cada um dos partidos a nível nacional e regional. Foi isso que esteve na base da grande operação que começou na Procuradoria de Milão que destruiu depois o Partido Democrata Cristão Italiano, o Partido Socialista Italiano, o próprio Partido Comunista não saiu incólume destas suspeitas. Estamos a viver exactamente uma situação desse género. O escândalo Petrobrás é um escândalo de loteamento de luvas em que todos os partidos estavam associados à quota. É difícil encontrar um que não tenha culpas no cartório”, argumenta o comentador da Renascença.

Sistema disfuncional

E a seguir, quem virá? "Se não correr muito mal há de emergir alguém em democracia. Talvez um daqueles novos governadores que possa assumir alguma posição liderante”, alvitra Santana Lopes que não ficou agradado com a prestação do vice-presidente Michel Temer, tal como António Vitorino.

O antigo ministro do PS lembra que Temer é o segundo na linha de sucessão de Dilma e critica a conduta política deste politico brasileiro.

“Ele já disse que se a Presidente sobreviver, ele também não sai do lugar. Ou seja, ele tenta derrubá-la, mas se por caso falhar ele não sai do lugar dele. Isto revela um grau zero da vergonha e do pudor na política. O que indicia um problema mais de fundo, para além das personagens em concreto. O sistema é profundamente disfuncional, manifestamente em desequilíbrio politico. O Brasil precisava de tudo neste momento menos de uma crise institucional”, remata António Vitorino.