Passos compara Marcelo a Cavaco e explica ausência da campanha
12-01-2016 - 23:02

Em entrevista à Renascença, Pedro Passos Coelho nega ter chamado cata-vento político ao candidato presidencial Marcelo Rebelo de Sousa e encontra pontos de contacto entre o professor e Cavaco Silva.

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O líder do PSD nega que o seu apoio seja tóxico para Marcelo Rebelo de Sousa. Em entrevista ao programa “Terça à Noite” da Renascença, Pedro Passos Coelho diz que vai estar ausente da campanha para evitar que as presidenciais se transformem numa espécie de segunda volta das legislativas.

O PSD recomenda o voto no candidato presidencial Marcelo Rebelo de Sousa, mas já o apelidou de cata-vento político.

Não é verdade que tenha, rigorosamente, chamado cata-vento ao doutor Rebelo de Sousa.

A quem é que se referia com essa expressão?

Não me referia a ninguém em particular. A moção de estratégia que apresentei ao congresso assumia um perfil de candidato a Presidente da República que estivesse muito próximo daquilo que tem sido o exercício do mandato presidencial do professor Cavaco Silva. Continuo a defender que o Presidente da República deve ser, no essencial, um árbitro do jogo político e não um jogador ao nível dos partidos políticos. Não é o Presidente da República que governa, é o Governo que governa.

O Presidente da República deve, no entanto, utilizar a sua magistratura de influência de modo a conseguir que as pontes que são necessárias entre os partidos, a relação dos partidos com a sociedade, possa funcionar de uma forma mais harmoniosa.

Isso exige um mandato apartidário e exige alguém que não venha trazer para Belém a 'espuma dos dias' e que não funcione como um cata-vento das ideias do dia-a-dia, às vezes, ideias contraditórias que existem na sociedade portuguesa, mas que saiba, de acordo com aquilo que é a sua experiência política - a interpretação dos poderes do Presidente da República -, usar essa magistratura para dar corpo à ideia do que deve ser uma reforma do país, das suas estruturas económicas, sociais, que tenha uma base de entendimento consensual o mais larga possível.

Mas o fato de Cavaco Silva não serve lá muito bem a Marcelo Rebelo de Sousa.

Não vejo porquê. Eu acho que são personalidades muito diferentes, que é uma coisa diferente de dizer que têm uma concepção muito diferente da natureza dos poderes do Presidente da República e do mandato presidencial.

Influenciam a forma de exercício do cargo.

Com certeza e eu não espero que o professor Rebelo de Sousa tenha exactamente a mesma maneira de estar do professor Cavaco Silva. Seria, de resto, muito suspeito que isso acontecesse. Agora, eu creio - pelo menos foram essas as razões que nos levaram a recomendar o voto no doutor Rebelo de Sousa - que ele tem da função presidencial uma noção institucional que não difere, na sua natureza, daquela que tem sido a interpretação do professor Cavaco Silva. Julgo que a maneira como ele vem exprimindo ao longo destes anos o entendimento sobre a função presidencial não se afasta muito daquilo que é a noção que o PSD há muitos anos faz desta função.

O senhor não desmentiu na altura a ideia do cata-vento.

Também não se pode pôr a questão nesses termos. O problema está em que foi o próprio professor Rebelo de Sousa que, na altura, achou que aquilo lhe era dirigido, mas foi dito por muita gente e eu também o referi na altura, que aquilo não tinha um destinatário, em particular, era a nossa concepção do exercício da função presidencial. E mantém-se. Ela não se alterou.

Houve alguns candidatos da área do PSD que estiveram na perspectiva de avançar. Marcelo Rebelo de Sousa não era o seu preferido?

Não há uma questão de preferência, aqui. Não há, mesmo. Defendo que as eleições presidenciais não devem ser eleições de natureza partidária nem devem ser partidarizadas. Mal seria que os grandes partidos políticos não tomassem parte desse debate, não interviessem, não tomassem a sua posição, não pudessem apoiar um candidato. Mal seria que o PSD, com a história que tem, não pudesse ter de entre as suas fileiras alguém que pudesse ter perfil presidencial e tinha vários, variadíssimos mesmo, felizmente.

Agora, um candidato que aparece pela mão de um partido, como por exemplo o candidato do PCP [Edgar Silva] ou a candidata do Bloco de Esquerda [Marisa Matias], que são assumidamente partidários, no sentido em que foram indicados pelas direcções dos seus partidos, com objectivos de natureza partidária, eu e o PSD não temos esse entendimento das candidaturas presidenciais. Por essa razão é que ainda na altura em que estávamos no Governo, em coligação com o CDS, acordei com o doutor Paulo Portas que os nossos partidos apenas se pronunciariam sobre a matéria presidencial, preferencialmente, depois das eleições legislativas e teriam, tanto quanto possível, uma posição comum sobre a eleição e foi isso que aconteceu. Aquela que na nossa área política mais poderia concitar o nosso apoio é, inquestionavelmente, a candidatura do doutor Rebelo de Sousa. Não há sequer nenhuma outra que tenha grande origem na nossa área política e, nessa medida, ao contrário do que acontece com o PS, que tem cinco candidaturas que disputam o apoio da área socialista, sendo que pelo menos quatro deles são mesmo militantes do PS.


Vai participar nesta campanha ou não?

Essa pergunta está um bocadinho ultrapassada, porque o doutor Rebelo de Sousa já respondeu. Eu combinei com ele que não teria participação física na campanha eleitoral. Nós decidimos recomendar o voto no doutor Rebelo de Sousa, apoiamo-lo para Presidente da República, não tenho dúvida de que a grande maioria das pessoas do PSD, dos militantes, das suas estruturas, estarão envolvidas na campanha no sentido de poderem ajudar em tudo o que for preciso.

Acha que a sua presença na campanha é tóxica para Marcelo Rebelo de Sousa?

Julgo que não. A palavra tem sido usada indevidamente, porque não existe nenhuma limitação quanto à nossa assunção de apoio à candidatura.

Mas pode haver uma limitação por parte de Marcelo Rebelo de Sousa?

Também não me parece que haja, mas nessa parte terá de lhe perguntar a ele, não é a mim. Nós saímos de um período de debate e vivência política muito intensos, cristalizado em torno do resultado das últimas eleições legislativas e de uma certa usurpação desses resultados que foi feita pelo PS para chegar ao Governo. Se aquele que foi ainda até há pouco tempo o primeiro-ministro, que de resto ganhou as eleições legislativas, se envolvesse directamente na disputa presidencial, haveria sempre a tendência para tornar esta eleição presidencial numa espécie de segunda volta das legislativas. E então o que estaríamos a discutir era a solução de Governo e não a solução para Belém.

Eu acho que é do interesse de todos na eleição presidencial que não se confundam os planos. A razão porque recomendamos o voto no doutor Rebelo de Sousa não tem nada que ver com as eleições legislativas, tem que ver com a concepção que fazemos do mandato presidencial, em primeiro lugar, e, em segundo lugar, a defesa que, do nosso ponto de vista, o doutor Rebelo de Sousa, de certa maneira, corporiza quanto à importância estratégica que a nossa participação no projecto europeu e na União Europeia pode representar para Portugal, que é um país profundamente europeísta, cujo futuro e cujo crescimento no futuro depende de uma forma quase radical de não estar na Europa de uma forma desconfiada, que se quer para futuro descomprometida, como têm muitas outras forças políticas que apoiam outras candidaturas.

Não o incomoda ouvir Marcelo Rebelo de Sousa dizer que fará tudo para que esta legislatura chegue ao fim?

Não, nada. Porquê?

Não é essa a sua ideia.

Por que é que diz isso?

Pelas declarações que o ouvi fazer no Parlamento.

Que foram?

Na altura em que o seu Governo caiu disse que não contassem com o PSD quando o seu voto fosse necessário para salvar este Governo. Deduz-se que tem a expectativa de que esta solução governativa não chegue ao fim do seu mandato.

Mas deduz mal, porque o que eu quis dizer e parece-me que qualquer pessoa em Portugal o entende com clareza cristalina é que, se o PSD que ganhou as eleições não pôde contar com o apoio do PS, que é o segundo partido em Portugal, para poder governar, seria uma perversão democrática que o segundo partido viesse a fazer uma espécie de chantagem democrática sobre quem ganhou as eleições, que passaria a ter a função de apoiar quem perdeu. Ora, isto não faz sentido nenhum.

O PS e o doutor António Costa disseram que só derrubariam o Governo saído das eleições se tivesse uma alternativa que ele qualificou como uma maioria estável, coesa e consistente. Ora, se essa maioria existir, não há nenhuma razão para que o PSD, que teve o seu Governo chumbado por essa maioria no Parlamento, se transformasse, de repente, no sustentáculo político desse próprio Governo que emergiu dessa maioria. Isso seria absurdo. Agora, isso não quer dizer que esta maioria não tenha a obrigação de governar. Tem, claramente, a obrigação de governar.

E condições para governar durante quatro anos?

Eu estou muito de acordo com o doutor Rebelo de Sousa nesta matéria e noutras também. Eu acho que é muito importante quando confrontamos o Governo com as suas responsabilidades. Este Governo e os seus responsáveis disseram que só iam tomar posse porque tinham uma alternativa coesa, estável, duradoura e consistente. O país não pode andar a fazer eleições a cada meio ano e a estabilidade política, em princípio, é um bem desejável. Não é um fim em si mesmo, mas é um bem desejável, porque é isso que permite depois que os governos possam, com algum horizonte e com alguma profundidade, mostrar o que valem. Ora, uma vez que temos um novo Governo, que esse Governo se suporta numa maioria no Parlamento, embora não tenha uma coligação formal, esse Governo agora, com essa maioria, tem de mostrar o que valem. E portanto, terão o horizonte da legislatura para se afirmar.