“Incansável”, “gestor de conflitos”, “pragmático”, “encantador”, “sagaz”, “lutador”, “flexível”, “exigente”, “dialogante”. Os adjectivos são sempre abonatórios quando se fala da capacidade de negociação de António Costa. E saem da boca de quem já esteve do outro lado, à esquerda e à direita: Marques Mendes, José Sá Fernandes e Octávio Teixeira. A mediação do acordo tripartido com as esquerdas trará a necessidade de um quase “Ministério dos Negócios Internos”, que esta quarta e quinta-feira começa a ser testado no Parlamento com a discussão do programa de Governo.
O agora primeiro-ministro já ultrapassou vários obstáculos na vida política através de negociações fortes e exigentes, nas quais se notabilizou. Porém, esta legislatura será, por assim dizer, “o grande desafio” daquele que muitos entendem ser o mais brilhante negociador da actual geração de políticos. Será esta característica suficiente para levar o actual Governo até 2019? Ninguém sabe.
No entanto, a fama de negociador de eleição já é internacional. O jornal espanhol “El País” reconheceu-lhe esta qualidade, num texto que é pouco abonatório para António Costa. O título não podia ser mais sugestivo: “O grande ilusionista.”
Marques Mendes não quer referir-se a Costa como o “mais brilhante” negociador ou afirmar se é “simplesmente brilhante”. O comentador conhece bem o primeiro-ministro pois, antes de ter substituído a câmara do Parlamento pela câmara da televisão como palco político preferencial, já teve em António Costa o seu principal interlocutor.
Recorde-se que Costa foi ministro dos Assuntos Parlamentares do governo de Guterres, que tinha em Marques Mendes o líder da bancada parlamentar do principal partido da oposição, o PSD. Num posterior governo social-democrata liderado por Durão Barroso, os papéis inverteram-se. Por isso, conhece-o muito bem.
“Acho que é indiscutivelmente um bom negociador, e isso ficou patente nas negociações à esquerda. Mostrou capacidade de diálogo e espírito de abertura. Teve uma grande flexibilidade negocial, conseguindo aquilo que nunca anteriormente se tinha conseguido. É a prova provada de que é um bom negociador”, defende Marques Mendes. O comentador não se mostra surpreendido com os resultados depois dos vários anos em que com ele negociou orçamentos, nomeações para o Tribunal Constitucional, ou, à época, a polémica lei das Finanças Locais.
O segredo é a alma do acordo
Mendes não tem dúvidas: “Ele é um negociador exigente, mas ao mesmo tempo correcto.” Para ilustrar esta faceta, o social-democrata recorda o acordo para a nomeação dos magistrados do Constitucional, e frisa o “grande secretismo” com que Costa soube gerir as conversas. “As coisas só saíram a público quando estavam efectivamente acordadas”, elogia.
O comentador da SIC acrescenta que o líder do XXI Governo Constitucional não usa nem da sedução, nem da irritação para conduzir os processos negociais. “Não faz chantagem, nem ameaças, mas é um negociador exigente. Porém, tem simultaneamente o espírito de abertura e uma grande simpatia que é pública e notória. E tem aquilo que qualquer negociador tem de ter para ser bem-sucedido, a paciência”, concretiza.
A autarquia de Lisboa foi um dos locais em que António Costa mais teve de exercitar a sua capacidade para criar consensos. Durante o primeiro mandato, sem maioria, o líder do Governo foi obrigado a fazer pontes com a oposição. José Sá Fernandes, eleito na altura pelo Bloco de Esquerda (que viria a abandonar), foi um parceiro natural. Só tem palavras abonatórias para o agora primeiro-ministro.
“Gerir uma cidade é gerir conflitos permanentes, e ele tem uma grande habilidade a fazê-lo. É um grande gestor de conflitos e de interesses aparentemente contraditórios”, enfatiza.
Sem se enredar no labirinto do pormenor
Sá Fernandes destaca ainda outra característica do primeiro-ministro quando se fala em negociações: “Ele tem sempre uma estratégia na cabeça, mas é essencialmente um pragmático, o que facilita as discussões. Muitos conflitos são resultado de se estar a discutir o pormenor e não a essência do problema.”
Também o militante comunista Octávio Teixeira – ex-líder da bancada parlamentar do PCP quando Costa era o ministro que mexia as peças no Parlamento para os acordos necessários a um governo minoritário, como foi o primeiro de Guterres – elogia o socialista. Sublinha que, e temendo uma tirada ao jeito de “La Palisse”, o que faz de António Costa um bom negociador é a “capacidade de diálogo”.
O comunista revela ainda que António Costa era uma pessoa “capaz e disponível para ouvir e não impor apenas as ideias do Governo”.
O mestre no xadrez da negociação conseguirá jogar em três tabuleiros?
A negociação é um meio para o sucesso, contudo, não é sinónimo. Marques Mendes, apesar de nessa arte só ter elogios para o primeiro-ministro, vaticina que essa qualidade não o salvará. E até coloca a marca de validade no rótulo que embala este Governo.
“A coligação, do meu ponto de vista, é precária, instável e só vai funcionar bem no essencial durante os primeiros seis meses, até ao Verão. Em Abril, julgo que terá o primeiro abalo, mas não vai cair na discussão do Programa de Estabilidade e Crescimento. No entanto, no Verão, com a preparação do Orçamento do Estado para 2017, as coisas vão ficar mais delicadas, sensíveis e negras”, augura.
E remata: “A capacidade negocial ajuda, mas há questões que não se resolvem meramente com a negociação.”
António Costa tem um ‘auto-slogan’, “Palavra dada é palavra honrada”, que é subscrito por Sá Fernandes. “Não tenho dúvidas nenhumas de ele que vai cumprir os acordos. Que o Bloco de Esquerda o faça, tenho muita esperança que sim, embora em Lisboa isso não tenha acontecido”, lembra o vereador que, depois de ser eleito nas listas dos bloquistas à edilidade da capital, viu ser-lhe retirada a confiança política do partido.
E separa os comunistas do Bloco. “Sempre que apertei a mão ao PCP, este também cumpriu. Com o Bloco de Esquerda eu não tenho essa experiência, mas agora a direcção mudou. Acho que não vão cair no mesmo erro”, adianta.
Duas razões são poucas para estar num Governo
Opinião contrária tem Marques Mendes. Para o social-democrata, o PCP vai ser sempre o parceiro mais difícil, como se viu na negociação prévia para os acordos. “Em novas negociações, em situações que estejam em aberto, o PCP é sempre um partido difícil”, prevê.
Mendes sustenta que o PCP só está nesta coligação porque tem dois objectivos em concreto: “evitar que os transportes colectivos de Lisboa e do Porto passem para as mãos do privados e alterar as regras da contratação colectiva”. Em seu entender, o acordo com o PS e com o Bloco foi a única forma que os comunistas encontraram para evitar o desaparecimento da CGTP tal como a conhecemos.
No fim, sentencia: “Suportar um governo por estas duas razões é muito curto. Só por sorte é que uma aliança destas dura quatro anos ou qualquer coisa de parecido.”
Sobre como é que nestes acordos os comunistas manteriam a identidade prometida por Jerónimo de Sousa e a ligação a esta maioria parlamentar, Octávio Teixeira clarifica.
“O PCP não está ligado à maioria parlamentar, isso é uma conclusão jornalística e dos jornalistas. Não está ligado. Formou-se um acordo ou vários acordos para haver uma viabilização parlamentar de um Governo do PS. O Governo é do PS e não é, como se costuma dizer e escrever, um Governo das esquerdas”, expõe.
Quem vai sair bem se sair a mal
Muitos dos críticos desta solução governativa, que a rotulam de contranatura, garantem que haverá uma disputa constante por encontrar a narrativa mais favorável para justificar uma saída prematura.
Octávio Teixeira rejeita a ideia. Garante que isso não teria qualquer justificação, nem razoabilidade política. “Qualquer partido que seja responsável por não cumprir o que está nos acordos é o que terá maior penalização política. Todos poderão perder se correr mal”, evidencia o comunista.
Sá Fernandes não elimina a possibilidade de haver quem esteja mais importado com a cosmética política do que com o sucesso desta ligação, no entanto, socorre-se da esperança.
“Há sempre esse risco. Já aprendemos o suficiente para perceber que há momentos decisivos para que as pessoas não entrem nesse tipo de jogos. Acho que vai correr bem”, atira.
Nos antípodas está Marques Mendes, que considera que apesar de todas as qualidades de negociador do chefe de Governo, elas não se sobreporão à base “instável e precária” sobre a qual o Executivo se ergue.
O comunista que acha “normal” que Costa também negoceie à direita
O passado de Costa mostra que ele não se virará apenas para a esquerda. Tentará acordos à direita. Numa entrevista recente à revista “Visão” teve, aliás, uma frase que pode ser o interlúdio desse movimento.
"Não me passa pela cabeça que este ressabiamento nervoso que a direita apresenta neste momento não lhe passe ao fim de uns meses e que não passe a ter uma postura responsável", comentou.
O comunista Octávio Teixeira acredita que não haverá nenhum problema para a sustentabilidade da maioria parlamentar se o PS negociar com o PSD e CDS matérias que estejam “fora do acordo parlamentar”. “Admito que as negociações, numa primeira fase, sejam com os partidos que assinaram os acordos. Mas, se não chegarem a acordo, não vejo que haja qualquer problema para que negoceie à direita. Duvido é de que a direita esteja disponível”.
Não terá consequências? “Não me parece”, argumenta.
Marques Mendes garante que não sabe se está, ou não, nas intenções de António Costa negociar com o PSD e o CDS. Todavia, admite que “no plano teórico pode passar-lhe isso pela cabeça”.
Sobre Passos Coelho ter dito que o PS não tem nenhuma legitimidade para pedir ao seu partido “seja o que for” e que, no dia em que o PS tiver de depender dos votos do PSD ou do CDS-PP para aprovar alguma matéria que seja importante, esperar que António Costa “peça desculpa ao país e se demita", Marques Mendes pede moderação.
“O PSD e o CDS têm toda a vantagem de não fazer uma oposição de bota-abaixo. Não é credível para partidos e responsáveis políticos que foram governo e que ambicionam voltar a ser”, realça. Contudo, veda o outro caminho: “Também não pode ser de muleta, porque isso a prazo é um verdadeiro suicídio.”
O certo é que, entre os acordos à esquerda e a possibilidade de abrir o jogo político à direita, o “mestre da negociação” terá de controlar muitas peças que têm vida própria.