Marcelo Rebelo de Sousa só terá uma última palavra sobre o programa "Mais Habitação" "se o Governo quiser", afirma o constitucionalista Reis Novais, em entrevista à Renascença.
"O Presidente da República arrisca-se a que o Governo apresente a regulamentação através da Assembleia, e nada pode fazer", defende Reis Novais.
O programa "Mais Habitação" foi aprovado esta quinta-feira no Parlamento, sem alterações, após o veto do chefe de Estado.
Ao dizer que "este não é um caso encerrado", Marcelo Rebelo de Sousa parece ter esquecido que, "quando há uma maioria absoluta no Parlamento, a relação de forças no domínio do processo legislativo muda substancialmente a favor da maioria que apoia o Governo", sublinha Reis Novais, em entrevista à Renascença.
O constitucionalista lembra que, se o Governo quiser, o Presidente já nada poderá fazer para impedir a entrada em vigor do pacote "Mais Habitação".
Ou seja, Marcelo Rebelo de Sousa "arrisca-se a receber regulamentação sob a forma de uma proposta de lei, aprovada pelo Parlamento". Nesse caso, a última palavra será dos deputados e já não do chefe de Estado.
É obrigatório que a regulamentação a definir para o pacote “Mais Habitação” passe pelo crivo do Presidente da República ou o Governo pode escapar a isso?
Quando o Presidente da República fez essa afirmação estava, no fundo, a querer dizer que, apesar da Assembleia ultrapassar agora o seu veto, a última palavra continuaria a ser dele. E continuaria a ser dele, porque, a seguir, o Governo teria que regulamentar esta legislação e, nessa altura, quando lhe chegassem a esses regulamentos para assinar, então, o Presidente da República teria a última palavra sobre estas questões.
Em todo o caso, o Presidente da República esquece que, quando há uma maioria absoluta no Parlamento, a relação de forças no domínio do processo legislativo muda substancialmente. E muda substancialmente a favor da maioria que apoia o Governo. Portanto, neste caso, como em qualquer caso, se o Governo quiser garantir que a legislação ou a regulamentação entra em vigor, independentemente da vontade do Presidente, tem a possibilidade de o fazer.
Mas como?
Como é que o pode fazer? Em vez de fazer os regulamentos em decretos do próprio Governo, que depois vão à assinatura do Presidente, se o Governo quiser - dado que o Presidente já lhe está a pré-anunciar que pode, eventualmente, vir a recusar-se a assinar esses diplomas, que tem a última palavra - então, nessa altura o Governo pode, se quiser, apresentar esses diplomas como proposta de lei à Assembleia da República, onde tem uma maioria absoluta.
Nessa altura, mesmo que o Presidente venha depois a vetar, a maioria da Assembleia da República pode ultrapassar o veto do Presidente.
Mas tendo em mãos a regulamentação, o Presidente da República não poderá ainda, nesse caso, enviá-la para o Tribunal Constitucional?
Nessa altura, estaríamos perante um decreto para ser promulgado como lei. Como qualquer decreto, nessas circunstâncias, o Presidente da República pode sempre enviar ao Tribunal Constitucional.
O problema é que, em relação às questões de constitucionalidade, isso já está esclarecido. Portanto, não haverá nessa regulamentação novas questões de constitucionalidade. Mas havendo, então aí o Presidente da República poderia suscitar essas questões ao Tribunal Constitucional, tal como o poderá fazer se o Governo optar por regulamentar e enviar ao Presidente esses decretos sem passar pela Assembleia.
Em síntese, se o Governo quiser, apesar de passar ainda pelas mãos do Presidente, Marcelo nada poderá fazer para evitar a entrada em vigor da lei...
Sim, em última análise, é isso. Se o Governo quiser... Isto é, quando as relações entre eles são boas, digamos assim, o Governo dialoga com o Presidente e chegam a acordo, ou não, e tudo se desenrola normalmente.
Quando se entra nesta via de, por exemplo, o Presidente da República [dizer]: “eu é que tenho a última palavra”, então o Presidente da República arrisca-se a que o Governo apresente os diplomas através da Assembleia, onde tem maioria absoluta, e o Presidente não pode fazer nada contra essa maioria absoluta.