Paulo Portas. “Onde há um risco muito grande com Trump é no comércio"
19-01-2017 - 00:01
 • Raquel Abecasis (Renascença) e David Dinis (Público)

O ex-vice primeiro-ministro Paulo Portas foi o convidado desta semana da Renascença e do Público. Objectivo: antecipar como ficará o mundo com Donald Trump na Presidência dos EUA.

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Com a posse de Donald Trump a política externa começa uma nova era?
Em certo sentido começa, estamos a viver um tempo em que a única certeza que se pode dizer é que o improvável pode acontecer e o inesperado prevalecer. O grau de incerteza tornou-se dominante, não é um risco residual. Muita gente anda a tentar prever como será a política externa do Presidente Trump. Com uma dificuldade de partida: não há muitas pessoas que o conheçam e ele não é avaliável por critérios políticos tradicionais. Acho que há uma questão prévia: se os EUA têm condições para ter uma política externa consistente e consequente.

E tem resposta para isso?
Só o exercício é que vai demonstrá-lo. Ou teremos uma política externa dominada por impulso, ou "tweets" - e isso implica um grau de incerteza muito grande. Ou a Administração estabilizará com uma política consequente, com a qual possamos concordar ou discordar. Vamos admitir que existirá. Em relação à Rússia poderá haver uma aproximação que é uma oportunidade, mais do que um problema.

Mesmo que acompanhada por todas estas confusões que antecederam...
É muito difícil convencer metade das elites políticas europeias, nomeadamente de Berlim e para Leste, e uma grande parte das elites políticas norte-americanas, deste facto muito simples: nós não podemos continuar a olhar para a Rússia com os olhos com que víamos a União Soviética, que já não existe. Era um projecto totalitário global, por uma aliança militar coerciva e com uma organização internacional, quintas colunas em cada país, que pretendiam fazer prevalecer um projecto totalitário marxista-leninista.

O que aconteceu na Ucrânia não o assusta?
É preciso saber história diplomática para poder comentar o que se passou na Crimeia. Mas o meu ponto é este: se aquilo que existe em Moscovo não é a União Soviética, o que é que é? Acho que é muito mais parecido com a Rússia de sempre, que é milenar, autocrática, centralizada...

... mas também é imperialista.
É imperial na medida dos meios que tiver. Mas sobretudo à volta de uma esfera de influência. A Rússia tem nos seus 10 fusos horários cerca de 90 nacionalidades dentro do seu território. Esperar que venha a ser uma democracia como se estivéssemos em Westminster é um erro infantil e não ajuda à resolução dos problemas internacionais.

Mas actualmente...
Imagine que o mundo está bipolarizado, entre a China e os EUA. De quem é que a Rússia está mais perto? Talvez esteja mais perto da Europa.

Mas agora terá os EUA mais próximo da Rússia do que da Europa?
Nós desde que o muro de Berlim caiu estamos com uma superpotência, que agora está cansada de andar com o mundo às costas e de ser criticada por isso. E agora há uma ascensão da China. A Rússia não voltará a ser uma segunda superpotência. Eu acho que se deve tentar encontrar compromissos em algumas matérias com a Rússia. Para a Europa é muito relevante, porque os dois problemas mais urgentes que tem chamam-se terrorismo e as migrações. No primeiro caso, é certo e seguro que uma parte dos atentados terroristas tem centro de treino na Síria. E no caso das migrações (que fez a Europa colapsar do ponto de vista de decisão política), entre um terço e metade teve origem na Síria (depois alargou-se, é verdade). Se sabemos há três anos que não haverá presença militar dos EUA na Síria; se sabemos que não há saída militar para a Síria; se a solução política tem que passar pelo Conselho de Segurança; se nele só há solução com o acordo da Rússia, do que é que a Europa está à espera?