Ibuprofeno pode agravar infeção pelo novo coronavírus? "É tudo especulação"
15-03-2020 - 22:15
 • Beatriz Lopes

Face à pandemia de Covid-19, países como França ou Suíça estão a recomendar que se recorra ao paracetamol e não ao ibuprofeno em caso de febre. Em Portugal, o Infarmed e especialistas da área dizem preferir reger-se pela evidência científica.

Uma mensagem posta a circular nas redes sociais alertava nos últimos dias que, “no caso de infeção por Covid-19, é possível que a toma de Ibuprofeno [como Brufen ou Spidifen] aumente a velocidade de disseminação do vírus e a probabilidade de doença grave porque possivelmente aumenta a expressão de receptores ACE nos pulmões”.

Sustentado num estudo recente da revista científica "Lancet" intitulado “Os pacientes com hipertensão e diabetes estão em maior risco de infeção por Covid-19?”,o autor da publicação referia ainda que este terá sido "um fator para a doença ser mais grave em Itália [do] que na China", embora alertasse que se trata ainda de "uma mera hipótese científica" a ser comprovada.

Numa altura em que a pandemia de Covid-19 continua a alastrar, e ainda com escassas expectativas de uma vacina ou tratamento para o novo coronavírus, até que ponto devemos acreditar na informação posta a circular? Tomar ibuprofeno pode ou não agravar o estado de saúde de um paciente com Covid-19? E o que está a ser aconselhado aos profissionais de saúde?

À Renascença, Miguel Araújo Abreu, médico especialista em Doenças Infecciosas no Centro Hospitalar do Porto, explica que para já tudo se trata de uma incerteza e que não há dados científicos sólidos que permitam tirar conclusões.

“Trata-se de uma especulação que se prende com a alegada utilização de uma proteína presente nas nossas células pulmonares, por parte do vírus, para entrar dentro dessas mesmas células. O Ibuprofeno leva a um aumento da expressão dessa proteína nessas células, ou seja, na prática, cria mais portas de entrada.”

A teoria é esta, mas "tudo isso é uma evidência in vitro", adianta. "Não fazemos ideia se in vivo tem alguma consequência. Pode haver especulações e dizer que houve doentes que tomaram e desenvolveram doença grave, mas também há os outros que tomaram e não tiveram nenhuma evolução, ou seja, faltam dados clínicos.”

A Autoridade do Medicamento defende o mesmo. Em comunicado enviado à Renascença, o Infarmed refere que "não existem, atualmente, dados científicos que confirmem um possível agravamento da infeção por Covid-19 com a administração de ibuprofeno ou outros anti-inflamatórios não esteroides”.

O Infarmed entende por isso que “não há motivo para os doentes que se encontrem em tratamento com os referidos medicamentos o interrompam”, lembrando que “a possível relação entre a exacerbação das infeções, na generalidade, e a toma de ibuprofeno está a ser avaliado na União Europeia no Comité de Avaliação de Risco de Farmacovigilância da Agência Europeia do Medicamento (EMA)”. A conclusão da análise está prevista para maio de 2020.

Também este domingo, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, afirmou que haverá um “desmentido formal a nível europeu” por outras instituições, enfatizando que “nem o Brufen nem quaisquer outros medicamentos potenciam a ação do vírus”.

No entanto, lá fora, pelo menos um organismo homólogo já começou a tomar medidas para que o Ibuprofeno deixe de ser administrado a doentes infetados pelo novo coronavírus.

Num comunicado enviado aos hospitais pela Direção-Geral da Saúde suíça, a que a Renascença teve acesso, intitulado “Covid-19- Tomar anti-inflamatórios não esteróides (AINEs)”, sublinha-se aos profissionais de saúde que, "em caso de febre, o paracetamol é preferencial".

As autoridades de saúde da Suíça justificam a decisão com o facto de “vários pacientes jovens infetados com Covid-19, sem comorbilidades [doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes tipo 2 e cancro, entre outros], terem visto o seu estado de saúde a piorar depois de tomar AINEs”. O documento alerta também os médicos e enfermeiros para que estejam “cientes” de que “tomar AINEs pode piorar a infeção em pessoas com Covid-19”.

A DGS suíça esclarece ainda que está em curso "uma discussão com os clínicos gerais de saúde” e remete informação detalhada sobre o assunto para mais tarde.

A informação já terá levado mesmo algumas farmácias locais a desaconselhar o uso de inflamatórios “em caso de sintomas como febre e tosse”.

Países como França também não escapam às dúvidas quanto ao uso de ibuprofeno no tratamento dos sintomas do novo coronavírus.

Este sábado, através do Twitter, o ministro francês da Saúde, Olivier Véran, alertou que "tomar medicamentos anti-inflamtórios (ibuprofeno, cortisona...) pode agravar a infeção [da Covid-19]".


Véran aconselha ainda que, em caso de febre, os pacientes tomem paracetamol. "Se já estiverem a tomar medicamentos anti-inflamatórios ou tiverem dúvidas, consultem o vosso médico", acrescenta.


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