Há muitas coisas que separam os crentes dos não crentes, mas nada como o 'problema' do sofrimento. Para um não crente, o sofrimento é a prova de que Deus não existe. Lembro-me de um artigo do jornal de estudantes da universidade com o título "If God Exists, Why Broccoli?" (provavelmente escrito por um autor que não gostava muito de legumes).
Piada à parte, muitos casos de perda de fé resultam de alguma tragédia familiar: uma doença, um acidente, etc. Como é possível um Deus bom permitir que uma coisa destas aconteça?
Para um crente — ou, pelo menos, para muitos crentes — o problema do sofrimento é perfeitamente compatível com a fé num Deus bom. A criança não compreende por que motivo os pais não deixam brincar com fósforos, mas não é por isso que deixa de acreditar na bondade dos progenitores. O facto de não compreendermos o sentido do sofrimento não significa que Deus seja mau: significa, principalmente, que não compreendemos completamente o sentido do sofrimento. Por vezes, passado o tempo, descobrimos que "há males que vêm por bem" — tal como a criança, chegada à idade adulta, agradece aos pais que lhe tenham proibido "manobras perigosas", mesmo que isso tenha implicado algum sofrimento para a criança.
No entanto, em muitos outros casos nunca compreendemos que "mal" pode vir por "bem". É nestes casos que a fé, entendida como confiança na bondade de Deus, faz diferença.
Vem isto a propósito de um artigo sobre o Michael Schumacher que li há dias. Pouco depois de deixar a Fórmula 1, Schumacher sofreu um grave acidente de ski: embateu numa rocha e, apesar de usar capacete, o dano causado no cérebro foi tão grande que desde há anos se encontra num processo de 'recuperação' que provavelmente não tem muito de recuperação (a discrição da família sobre o que se tem passado é tal que sabemos pouco sobre o que se tem passado).
Lewis Hamilton, um outro piloto de Fórmula 1 — católico tal como Schumacher — teve o desplante ou a coragem — dependendo da perspectiva — de dizer, a respeito do acidente de Schumacher, que "I feel like all things happen for a reason." A perspectiva de um crente católica é esta: Deus é bom, Deus é como um pai e uma mãe; embora eu não compreenda o bem que possa vir de um acidente destes, confio o suficiente em Deus para acreditar que alguma razão haverá.
A perspectiva de um não crente é bem diferente. Só assim se compreende a reacção nas redes sociais à afirmação de Hamilton.
"Hamilton é um idiota". "Hamilton deveria retractar-se e pedir desculpa". "O que ele disse é muito, muito cruel".
Pessoalmente, concordo com Hamilton; mas acho que teria sido mais prudente não dizer o que disse na forma "pública" com que o fez; ou, alternativamente, explicando melhor o sentido da sua frase. É que há poucas coisas que dividem as pessoas tanto como o sentido (ou falta de sentido) do sofrimento.