O Cardeal Patriarca reagiu esta sexta-feira ao que classifica de "equívocos e perplexidades" em torno de um caso de abuso de menores por um sacerdote denunciado em 1999, assumindo que aceita que "podemos e devemos fazer sempre melhor", mas garantindo que se tivesse recebido uma nova denúncia teria seguido os procedimentos "recomendados à data".
Numa carta aberta, D. Manuel Clemente diz querer esclarecer o que testemunhou ao longo do processo, começando por lamentar "todo o sofrimento que esta situação possa provocar a esta vítima em especial e a todas as outras que conhecemos ou não".
Também assume que "este caso e outros do conhecimento público e que foram tratados no passado não correspondem aos padrões e recomendações que hoje todos queremos ver implementados".
"O meu antecessor acolheu e tratou o caso em questão tendo em conta as recomendações canónicas e civis da época e o diálogo com a família da vítima", tendo o sacerdote sido afastado da paróquia onde estava "e nomeado para servir numa capelania hospitalar", explica o cardeal.
Ao tornar-se patriarca, adianta, decidiu marcar "um encontro com a vítima, encontro esse que foi adiado a pedido da mesma" e que viria depois a concretizar-se em 2019.
Nesse ano, "regressado do Encontro dos Presidentes das Conferências Episcopais da Europa sobre o tema «A proteção dos menores na Igreja» promovida pelo Santo Padre em Roma, sobre a temática dos abusos, pedi um novo encontro à vítima, com quem conversei presencialmente. A sua preocupação era a não haver uma repetição do caso sem desejar, de forma expressa, a sua divulgação."
Quanto ao sacerdote acusado, "o mesmo foi acompanhado e até à atualidade nunca houve qualquer denúncia ou reparo sobre o seu comportamento moral. Nunca ninguém comunicou, nem sob anonimato, qualquer acusação", explica D. Manuel Clemente.
E adianta: "Aliás, as medidas cautelares previstas para estes casos visam sobretudo a proteção de possíveis futuras vítimas, o que pode estar acautelado, em especial quando, passados anos, nunca mais houve denúncias nem indícios."
"Aceito que podemos e devemos fazer sempre melhor", remata o cardeal. "Desde a primeira hora que no Patriarcado de Lisboa dei instruções para que a Tolerância Zero e a Transparência Total sejam regra conhecida de todos."
O Patriarcado de Lisboa confirmou esta semana que recebeu, no final da década de 90, uma queixa contra um sacerdote por alegados abusos sexuais e garante que, na altura, foram "tomadas decisões tendo em conta as recomendações civis e canónicas vigentes". À época era patriarca o cardeal D. José Policarpo.
Numa nota de esclarecimento enviada à Renascença, o Patriarcado explica que o cardeal D. Manuel Clemente se encontrou com a vítima, duas décadas depois, mas que esta não quis divulgar o caso.
O jornal digital "Observador" noticiou na terça-feira que o caso não teria sido reportado às autoridades civis e que o padre em causa continuou no ativo, com funções de capelania e a gerir uma associação privada de acolhimento de famílias, jovens e crianças.
Sobre o que aconteceu com o sacerdote, D. Manuel Clemente adianta na mesma carta que "o mesmo foi acompanhado e até à atualidade nunca houve qualquer denúncia ou reparo sobre o seu comportamento moral" .
"Nunca ninguém comunicou, nem sob anonimato, qualquer acusação. Aliás, as medidas cautelares previstas para estes casos visam sobretudo a proteção de possíveis futuras vítimas, o que pode estar acautelado, em especial quando, passados anos, nunca mais houve denúncias nem indícios", diz o cardeal patriarca.
Num comentário ao caso, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que, pessoalmente, não vê razões para que D. José Policarpo ou D. Manuel Clemente tenham “querido ocultar da justiça” crimes, escusando-se a fazer “juízos específicos” sobre a alegada ocultação de uma denúncia de abusos sexuais.
Comissão Diocesana de Lisboa recebeu três denúncias
Na sua carta aberta, D. Manuel Clemente adianta que, desde a criação da Comissão Diocesana, em abril de 2019, "a primeira no país", foram encaminhadas até à data, "por mim ou diretamente pelas vítimas, três denúncias", duas públicas e uma ainda em análise.
"A primeira foi acompanhada pela diocese de Vila Real, a segunda está neste momento a corresponder ao que o Dicastério para a Doutrina da Fé decidiu, após as recomendações que a nossa Comissão me deu. Mal tenhamos o desfecho sobre a mesma, será divulgado. A terceira e mais recente que envolve mensagens inapropriadas e enviadas por WhatsApp está também em apreciação pela Comissão, que já me fez recomendações a que dei imediato seguimento", indica o cardeal patriarca.
"Quanto a outras denúncias que possam existir, não temos conhecimento, mesmo aquelas a que a Comissão Independente se refere. Que ninguém tenha medo de denunciar. Nas Comissões Diocesanas, na Comissão Independentemente, na PGR, na PJ, aos media, onde e junto de quem se sentirem mais seguros."
Ministério Público abriu 10 inquéritos
O Ministério Público confirmou ontem que arquivou até ao momento quatro das 17 denúncias anónimas que recebeu da Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica em Portugal.
Em informação à Renascença, a Procuradoria-Geral da República explicou que, das participações recebidas, foram instaurados ao todo dez inquéritos.
Dos 10 inquéritos, sete estão em investigação e três (relativas a quatro situações denunciadas) conheceram despacho final de arquivamento: um por prescrição, outro porque os factos já tinham dado origem a julgamento e condenação e um terceiro por falta de provas.