A Autoridade da Concorrência (AdC) acusa a EDP de abuso de posição dominante com prejuízos para os consumidores.
Esta prática "causou aumentos de preços na fatura de eletricidade paga pelos consumidores”, refere a AdC, em comunicado.
A EDP é acusada de ter manipulado a oferta através do serviço de telerregulação, durante quatro anos, entre 2009 e 2013.
Esta prática limitou "a oferta de capacidade das suas centrais em regime CMEC [Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual] para a oferecer através das centrais em regime de mercado, de modo a ser duplamente beneficiada, em prejuízo dos consumidores", indica a Autoridade da Concorrência.
“Ao obter compensações públicas pagas no âmbito do regime CMEC e beneficiar de receitas mais elevadas nas centrais não-CMEC simultaneamente, a EDP Produção onerava os consumidores por essas duas vias.”
Segundo a AdC, com esta prática a empresa provocou um dano estimado em 140 milhões de euros.
Com posição dominante, a EDP influenciou os preços no mercado, em prejuízo na altura da REN Trading, Iberdrola e Endesa.
A Autoridade da Concorrência fala ainda em abuso de exploração, violação das regras de concorrência nacionais e europeias.
A investigação foi iniciada em setembro de 2016. A nota de ilicitude, divulgada esta segunda-feira, não é o desfecho do processo. A EDP ainda pode exercer o seu direito de defesa e audição.
Em resposta à Renascença, fonte oficial da EDP nega qualquer irregularidade ou abuso de posição dominante para retirar vantagem.
“O grupo EDP reafirma, tal como constava no relatório e contas de 2017, que não beneficiou de qualquer sobrecompensação no mercado de serviços de sistema entre 2009 e 2014”, diz a mesma fonte.
A empresa assegura que “atuou de acordo com o enquadramento legal e contratual em vigor e em obediência às regras de concorrência”.
A EDP vai analisar a acusação da Autoridade da Concorrência e “tomar as medidas que entender necessárias nos prazos de que dispõe para o efeito”.
Perguntas e respostas sobre acusação à EDP Produção
O que são os CMEC?
Os Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual foram um mecanismo criado pelo Governo português no ano de 2004, para compensação das unidades de geração de energia, em troca da rescisão antecipada dos Contratos de Aquisição de Energia (CAE) que tinham assinado com o Gestor Global do Sistema (GGS), a REN. O objetivo dos CMEC foi garantir que as unidades de geração de energia elétrica obtivessem uma remuneração idêntica à que poderiam ter caso os CAE não tivessem sido rescindidos, traduzindo-se a respetiva remuneração num pagamento adicional sobre as receitas obtidas no mercado, para que a margem total angariável pela unidade geradora se aproximasse da que havia sido contratada nos CAE.
O que são serviços de sistema?
São os serviços necessários para a operação do sistema elétrico nacional com adequados níveis de segurança, estabilidade e qualidade de serviço.
Estes serviços permitem à REN, enquanto GGS, garantir o equilíbrio permanente entre a energia produzida e a energia consumida, gerindo os eventuais desvios entre a energia que foi programada fornecer nos mercados organizados e a energia que é efetivamente necessária à satisfação da procura em tempo real.
O que é a banda de regulação secundária ou telerregulação?
É um dos serviços de sistema ao dispor do GGS para garantir o equilíbrio constante entre produção e consumo, corrigindo os desequilíbrios num prazo entre 30 segundos e 5 minutos. O serviço oferecido ao GGS traduz-se na capacidade de variar produção numa determinada banda, sendo remunerado segundo a disponibilidade (reserva disponibilizada para baixar ou aumentar a produção) e a sua mobilização (energia efetivamente utilizada a baixar ou a subir).
A prestação deste serviço é assegurada normalmente por um regulador central automático, instalado no GGS, sobre os grupos geradores das centrais que se encontrem devidamente equipadas para o efeito.
A prática de que é acusada a EDP Produção afeta a concorrência de que forma?
A EDP Produção é acusada de um abuso de posição dominante, na forma de abuso de exploração. O comportamento da EDP Produção consistiu na limitação de capacidade de prestação de banda de regulação secundária das centrais em regime CMEC, com remuneração garantida, desviando essa produção para centrais em regime de mercado da EDP Produção, aumentando desnecessariamente os custos para o Sistema Elétrico Nacional. Esta prática conduziu ainda a um aumento dos preços da banda de regulação secundária, pago pelo GGS, que se repercutiu nos custos do sistema elétrico nacional, por sua vez refletidos nas tarifas incluídas nos preços da energia elétrica pagos pelos consumidores finais.
Quantas e quais eram as empresas concorrentes da EDP neste mercado?
As concorrentes da EDP Produção no mercado da banda de regulação secundária, entre 2009 e 2013, foram a REN Trading, a Iberdrola e a Endesa.
E os consumidores, como foram lesados?
O comportamento da EDP Produção foi duplamente lesivo para os consumidores. Por um lado, conduziu à obtenção, pela EDP, de compensações públicas mais elevadas ao abrigo do regime CMEC, as quais se refletem nas tarifas de acesso às redes suportadas pelos consumidores. Por outro lado, levou ao aumento dos preços no mercado da banda de regulação secundária, refletindo-se tal sobrecusto neste mercado nos preços finais da energia pagos pelos consumidores.
Estima-se que a prática da EDP tenha gerado para o sistema elétrico nacional e, portanto, para os consumidores, um dano de cerca de 140 milhões de euros.
Como foi detetada esta prática?
Em 13 de março de 2013, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) dirigiu à AdC um ofício, acompanhado de um Estudo, analisando a evolução e formação de preços dos serviços de sistema, com especial incidência no mercado da banda de regulação secundária.
A ERSE suscitou à AdC a análise e identificação de eventuais práticas anticoncorrenciais, tendo qualificado o comportamento da EDP Produção subjacente às respetivas estratégias de oferta no mercado da banda de regulação secundária como uma “atuação em uso do poder de mercado”, potencialmente restritiva da concorrência.
Se os factos dizem respeito ao período entre 2009 e 2013, porque é que a AdC só abriu um inquérito em 2016?
No seguimento da análise da referida participação da ERSE, matéria que a AdC já vinha, aliás, a acompanhar em sede de supervisão, a AdC emitiu, em 25 de novembro de 2013, uma Recomendação ao Governo relativa às compensações CMEC. Na sequência da participação da ERSE e da Recomendação da AdC, o Secretário de Estado da Energia impôs, por Despacho n.º 4694/2014, de 1 de abril, a adoção de um conjunto de medidas para corrigir os problemas identificados no mercado da banda de regulação secundária. O mesmo Despacho mandatou ainda a REN para a realização de uma auditoria, tendo por objeto apurar e quantificar as distorções no mercado da banda de regulação secundária decorrentes da atuação das centrais em regime CMEC. A referida auditoria veio a ser realizada pela consultora internacional The Brattle Group, tendo sido concluída apenas em junho de 2016. O inquérito da AdC foi aberto na sequência dos resultados da Auditoria.
A acusação da AdC diz respeito à existência dos CMEC?
A acusação da AdC diz respeito ao comportamento da EDP Produção no mercado da banda de regulação secundária, em particular através da limitação da oferta de capacidade das respetivas centrais em regime CMEC. Não está em causa a existência dos CMEC, mas antes a utilização (abusiva) que foi feita do respetivo regime em favor da Empresa e em prejuízo dos consumidores.
Se os CMEC foram definidos pelo Estado português, porque é que a empresa não podia beneficiar deles?
Na perspetiva da AdC, a EDP não se limitou a beneficiar dos CMEC, tendo-se servido efetivamente do sistema regulatório para explorar a sua posição dominante no mercado da banda de regulação secundária em Portugal Continental, com vista à adoção de uma estratégia de restrição de oferta de capacidade, que lhe permitiu beneficiar de preços e compensações públicas mais elevadas, com evidente prejuízo dos consumidores nacionais.
À luz do Direito da Concorrência, um sistema regulatório, como o regime CMEC, apenas pode isentar uma empresa de responsabilidade se o comportamento ilícito lhe for imposto, exigido ou determinado pela legislação nacional. No presente caso, a EDP Produção manteve integralmente a sua autonomia de conduta, tendo sido por sua própria iniciativa e decisão que adotou uma conduta abusiva de restrição da oferta de banda de regulação secundária.
A investigação da AdC está relacionada com a Comissão Parlamentar de Inquérito aos CMEC? E com o processo que o Ministério Público tem em curso?
O objeto da investigação da AdC restringe-se à apreciação, à luz do Direito da Concorrência, da identificada limitação da oferta de capacidade de banda de regulação secundária pela EDP Produção, em particular nas suas centrais em regime CMEC.
Não existe, nesse sentido, sobreposição com a investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito aos CMEC ou com o inquérito criminal do Ministério Público.
[notícia atualizada às 19h29]