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Desde o início da pandemia que o nome do Turquemenistão tem aparecido ao lado de uma série de alegações absurdas. Vários órgãos de informação conhecidos divulgaram notícias tais como a proibição da palavra “coronavírus” e a desinfestação de edifícios estatais. Tendo passado os meus dias em Asgabate posso garantir que cerca de metade destes relatos fazem parte da categoria de notícias falsas ou desinformação.
Uma palavra que raramente se dizia nas ruas de Ashgabat é quarentena. O período de quarentena de 14 dias é obrigatório para todos os que chegam em voos charter. O Turquemenistão começou a fechar as suas fronteiras e a suspender os voos internacionais na altura da primeira pandemia.
Este é um país totalitário que continua, de forma particular através do seu Presidente Gurbanguly Berdimuhamedov, a insistir que não tem um único caso de Covid-19. Apesar desta negação, os cidadãos estão muito cientes da gravidade da situação e mais ficaram desde que começaram a participar em enterros em que os corpos são transferidos diretamente do hospital para o cemitério dentro de sacados de polipropileno.
A vida diária começou a sofrer devido à pandemia quando o Governo anunciou as medidas destinadas a prevenir a proliferação de doenças contagiosas. Cafés, restaurantes e centros comerciais, exceto mercearias, fecharam. Os comboios inter-regionais pararam e os postos de controlo nas autoestradas tornaram mais difícil viajar de táxi entre províncias. Estas medidas fizeram subir o preço dos táxis quatro ou cinco vezes, para além de aumentar o tempo de viagem. Em julho o Ministério da Saúde e da Indústria Médica do Turquemenistão começou a promover o uso de máscaras, alegadamente por causa do “pó”. Apesar da tentativa de o iludir, o povo já sabia que “pó” não passava de uma desculpa inventada pelo Governo para esconder a verdade.
Entre agosto e outubro os cidadãos cumpriram com a obrigação de usar máscara e reforçar a higiene. Mas como o Governo insistia na negação, as pessoas começaram a relaxar e deixaram de cumprir. As pequenas e médias empresas começaram a adaptar-se, recorrendo ao método tradicional neste país para resolver problemas: corrupção e suborno. Os taxistas começaram a usar caminhos alternativos, com os passageiros a ter de mudar de carro a meio do percurso, transformando os condutores em traficantes de pessoas, subornando polícias e outros funcionários governamentais nos postos de controlo entre províncias.
As pessoas que regressavam de outro país começaram a subornar os responsáveis pelos centros de quarentena, fugindo de lá. Os cafés e restaurantes passaram a admitir pessoas por portas traseiras, mantendo as da frente fechadas a cadeado. Salas de casamentos e clubes de diversão reiniciaram as suas atividades apesar das portas seladas, subornando a polícia regional. As lojas de roupa e de tecnologia regressaram ao trabalho, rasgando simplesmente os selos nas portas que tinham sido colocados por agências governamentais. Em termos abstratos, o Governo pode querer prevenir a propagação do coronavírus, mas não há funcionário no Turquemenistão que não tenha o seu preço.
A verdade é que não sabemos qual é a verdadeira situação pandémica no país, mas estamos habituados a viver neste tipo de situação ambígua. Tudo o que nos resta é esperar por um país maais democrático. Quando isso acontecer tornar-se-á óbvio como o Governo matou o seu povo por causa desta ilusão.
*Derya Jomartov (pseudónimo) é editor do Ashgabat Times, um órgão de imprensa clandestino que opera a partir do Turquemenistão e tenta divulgar os atropelos aos direitos humanos naquela ex-República Soviética.