O primeiro “milagre de Tancos” aconteceu em 1917, quando Portugal forçou a sua entrada na I guerra mundial, na Europa, contra a vontade do Reino Unido, que conhecia bem as limitações das forças armadas portuguesas. Para preparar o nosso contingente expedicionário, os militares que iriam para as trincheiras na França e na Bélgica (em África há muito que havia sangrentos combates entre forças alemãs e soldados portugueses) tiveram em Tancos uma formação militar intensiva – que a propaganda governamental considerou um “milagre”.
Depois, foi o desastre que se sabe. E nem sequer, no fim da guerra, Portugal, como teoricamente vencedor, recebeu as contrapartidas que Afonso Costa esperava. Esse triste episódio militar serviu para virar contra o regime muitos oficiais que estariam na origem da ditadura imposta em 1926.
Agora, o rocambolesco roubo de armas de Tancos, em junho de 2017, com posterior e misteriosa reposição da maior parte delas, continua envolto em confusões várias, com graves danos para o prestígio das Forças Armadas. Corre um processo judicial, por enquanto em fase de instrução. Pelo que se sabe, os arguidos e outras pessoas que o juiz de Instrução Carlos Alexandre tem ouvido não têm poupado declarações contraditórias.
O mais recente caso insólito diz respeito ao depoimento escrito do primeiro-ministro. António Costa resolveu publicar no “site” do Governo as suas respostas às cem perguntas do juiz de instrução. O motivo, segundo o gabinete do primeiro-ministro, é que, entretanto, teriam sido postas a circular “versões parciais” do seu depoimento. O juiz Carlos Alexandre solicitou ao Ministério Público que se pronuncie sobre a eventual violação do segredo de justiça.
Ora na fase de instrução já não vigora o segredo de justiça interno (os arguidos passam a ter acesso a todo o processo) mas mantém-se o segredo externo. E é proibida a reprodução integral de peças processuais.
Mas as cem perguntas do juiz Carlos Alexandre apareceram, na integra, em vários meios de comunicação social e, nessa altura, ninguém levantou problemas… Além disso, o “segredo de justiça” é, entre nós, sobretudo uma ficção, tantas vezes ele é impunemente violado. Aqui é o prestígio da justiça que está em causa.