O coordenador em Moçambique da Organização Não Governamental para o Desenvolvimento Helpo confirma elevado número de crianças deslocadas em Cabo Delgado, por força de uma nova onda de violência na região nos últimos dois meses.
Em entrevista à Renascença, Carlos Almeida adianta que testemunhou um dos ataques e revela que dois dos projetos da organização não governamental que apoia na promoção da educação também foram afetados.
De acordo com a organização internacional "Save the Children", mais de 61 mil crianças tiveram de fugir de suas casas por causa dos atentados terroristas. “Infelizmente, são números reais”, diz Carlos Almeida.
Nestas declarações à Renascença, o responsável adianta que se registou, nos últimos dois meses, “um pico de deslocados, que superou os 100 mil".
"Normalmente, metade destas pessoas são sempre crianças, pois os agregados familiares têm muitas crianças”, aponta.
"Este número, que é um número muito pesado, acredito que seja verdadeiro”, reforça.
Do conhecimento que a Helpo tem do terreno, os números avançados pela "Save the Children" estão próximos da realidade?
Infelizmente, estamos a falar de números reais. Durante todo o mês de fevereiro, houve uns ataques que se deslocaram para o sul da província, que foi algo anormal. Este conflito já vai com mais de seis anos e, na realidade, aquilo que aconteceu foi que, ao passar para o distrito, sobretudo de Chiure, atacaram zonas como o Chiure Velho e Mazese, o que levou a que a população em massa tentasse fugir para locais seguros, nomeadamente para a Vila de Chiure, e para Namapa, a sul, já na província de Nampula.
Os números revelam que houve um pico de deslocados que superou os 100 mil. Normalmente, metade destas pessoas são sempre crianças, porque os agregados familiares têm muitas crianças. Por isso, este número, que é um número muito pesado... Acredito que seja verdadeiro.
Eu próprio tive a oportunidade de testemunhar. Depois do ataque que culminou com o encerramento da Estrada Nacional 1, que ocorreu nas imediações da missão de Okua, também no distrito de Chiure, o que aconteceu foi que, realmente, as populações fugiram, mas, depois, rapidamente, a estrada voltou a reabrir. As forças de segurança asseguraram a proteção do local e as populações, aos poucos, começaram a regressar aos seus locais de origem.
Como têm conseguido desenvolver o vosso trabalho com toda esta insegurança?
Especificamente nesta zona, tínhamos, por exemplo, uma entrega prevista na escola secundária de Okua, uma entrega de bicicletas em parceria com a Mozambikes e também entrega de material escolar referente a bolsas de estudo. Tivemos que adiar, a escola secundária ficou fechada durante duas semanas. Quando reabriu, que foi na passada semana, na segunda-feira, reabriu com números de alunos de apenas cerca de 30%, ou seja, o retorno à normalidade está a ser feito de forma gradual e faseada. As pessoas fugiram praticamente todas, estão a regressar aos poucos.
Do outro lado, no distrito de Mekufi, onde também foram atacadas algumas aldeias, no dia 31 de janeiro, afetou um outro projeto nosso financiado pela Unicef, que é o projeto das Brigadas Móveis Integradas, já que em duas das localidades - 3 de fevereiro e Mancoaia - houve ataques. Em Mancoaia, a casa do nosso agente polivalente de saúde foi atacada, porque sabiam que era lá que estavam guardados os medicamentos que dão apoio às Brigadas Móveis. Efetivamente, levaram todo esse material.
Felizmente, não houve danos físicos para ninguém, mas foi uma situação que até à data não nos permitiu recomeçar este projeto de apoio a estas populações. Também nestas duas localidades as pessoas estão a demorar a voltar à normalidade, mas estão a voltar à normalidade.
Neste momento, quantas crianças apoiam em Moçambique e, em particular, na região de Cabo Delgado?
A Helpo tem um total de 136 mil crianças apoiadas. As de Cabo Delgado serão sensivelmente metade, ou seja, estamos fortemente implantados na região, trabalhamos em Cabo Delgado desde o ano de 2009.
A Helpo tem o seu grande pilar no trabalho da educação e também na nutrição. Agora, mais recentemente, também dando o apoio nas instituições de emergência, como tem sido esta dos locais internos.