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O que é feito da solidariedade europeia? Foi uma pergunta colocada várias vezes nas últimas semanas. Para travar a propagação do novo coronavírus, o primeiro impulso de muitos países foi trancar a porta: as fronteiras foram fechadas total ou parcialmente, e vários governos anunciaram um bloqueio à exportação de máscaras cirúrgicas, incluindo a Alemanha e a França.
A presidente da Comissão Europeia não gostou: "Uma crise sem fronteiras não pode ser resolvida colocando barreiras entre nós. Mas esse foi exatamente o primeiro reflexo de muitos países europeus. Isso não faz qualquer sentido", afirmou Ursula von der Leyen.
À Renascença, Katarina Barley, vice-presidente do Parlamento Europeu, diz que, com esta crise, veio à tona "o que ainda não funciona na União".
"Vemos que, em muitas áreas, a União Europeia continua a ser uma associação de Estados-membros e não uma União que pode agir por si própria", refere a social-democrata alemã.
"La brutta Europa"
De Itália, o país europeu mais afetado pela pandemia, chegam relatos de abandono. "La brutta Europa" - a "feia Europa" - foi o destaque na capa no diário "la Repubblica". No Twitter, o ex-presidente do Parlamento Europeu, o italiano Antonio Tajani, criticou o "egoísmo masoquista" e a "miopia" de alguns Estados-membros, com o número de mortes por covid-19 a subir todos os dias.
A crítica não é só por os países terem fechado a porta; é também por alguns deles estarem a segurar com firmeza o porta-moedas.
Na semana passada, os chefes de Estado e de governo europeus não chegaram a consenso sobre o que fazer para tentar travar o afundamento das economias com a pandemia da covid-19.
Itália, Espanha e Portugal, por exemplo, pedem "coronabonds", títulos de dívida europeia emitidos em conjunto para conseguir empréstimos com juros baixos. Mas outros países, incluindo a Alemanha e a Holanda, estão contra, porque temem ser obrigados a pagar do próprio bolso, em caso de incumprimento. Seria o mesmo que emprestar um cartão de crédito a alguém "sem poder controlar as suas despesas", afirmou o chefe do banco central alemão, Jens Weidmann, citado pela emissora pública alemã ARD. E apontam-se outras soluções - uma delas, o Mecanismo Europeu de Estabilidade.
O primeiro-ministro português, António Costa, criticou em particular o Governo holandês por falta de empatia com Itália e Espanha. É "repugnante", disse.
Crise apanhou países de surpresa
Sem consensos entre os líderes, a resposta europeia tarda. A Comissão também demorou a agir, segundo a eurodeputada Katarina Barley.
"É um problema de coordenação. Penso que a Comissão Europeia começou muito tarde a reunir os Estados-membros e a ajudá-los a coordenar as medidas. Mas é um problema que também tem a ver com a atribuição de competências. Estas áreas importantes - a saúde, a educação, a segurança interna, o sistema social - são áreas da responsabilidade dos Estados-membros", sublinha.
Em declarações à Renascença, o politólogo Manuel Becker, da Universidade de Bona, lembra, por outro lado, que a crise apanhou todos de surpresa.
"Estamos a lidar com uma situação desconhecida até aqui, para a qual não há um plano nos tratados, nos regulamentos ou nos mecanismos da União Europeia", comenta Becker.
"Há muitas decisões a serem tomadas no próprio momento e estamos numa situação extremamente dinâmica, em que não é possível avaliar realmente o risco. Por isso, é possível compreender que o primeiro impulso seja cuidar da própria casa e dos seus cidadãos."
A propaganda da China e da Rússia
Há três semanas, o representante permanente de Itália junto da União Europeia, Maurizio Massari, escreveu no site "Politico" que o país pediu ao bloco material médico através do Mecanismo de Proteção Civil, mas nenhum Estado-membro respondeu.
"Só a China respondeu bilateralmente", lamentou Massari.
A China enviou especialistas em saúde e dezenas de toneladas de material, incluindo ventiladores, medicamentos e máscaras cirúrgicas. Moscovo também apoiou Itália. Junto à ajuda foram colocados autocolantes com as bandeiras russa e italiana em forma de coração e a mensagem: "From Russia with love" ("Da Rússia com amor").
"É claro que países como a Rússia e a China, países autoritários, reconhecem o potencial de propaganda numa situação como esta e é nesse contexto que as suas ações devem ser enquadradas", comenta o politólogo Manuel Becker.
"Mas eles não descobriram agora o humanitarismo, e isso não é algo que esteja fora do alcance dos europeus."
A ajuda "possível"
Pelo contrário - os europeus estão a ajudar. A Alemanha, por exemplo, forneceu há duas semanas sete toneladas de apoio a Itália, incluindo ventiladores e máscaras cirúrgicas, segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros - e haveria mais a caminho. Hospitais alemães ofereceram-se para receber dezenas de pacientes italianos e franceses.
"Os nossos hospitais têm capacidade e conhecimento médico para o fazer", afirmou recentemente Petra Köpping, ministra dos Assuntos Sociais na Saxónia. "Mesmo com as fronteiras fechadas e com cada país a lutar para contornar esta crise, pensamos de forma europeia e ajudamos onde podemos."
Entretanto, a Comissão Europeia anunciou medidas para adquirir mais máscaras, luvas, óculos e fatos de proteção - e acelerar a produção. Foi desapertado temporariamente o cinto da disciplina orçamental para os países estarem à vontade e poderem apoiar a economia. E o Parlamento Europeu deu "luz verde" a uma ajuda de 37 mil milhões de euros destinada às zonas mais afetadas pelo novo coronavírus, para reforçar os sistemas de saúde e ajudar empresas e trabalhadores.
A proposta foi aprovada quase de forma unânime, na semana passada. Foi um sinal forte do Parlamento, segundo Katarina Barley: "Sente-se aí o espírito europeu. E vemos que também os conservadores estão disponíveis para pensar em medidas solidárias. Daí o meu apelo: mais poder dos Estados-membros para a Europa. E, no seio da Europa, mais poder para o Parlamento Europeu. É aí que se sentam os europeus mais fervorosos."
No entanto, há quem peça mais ações. Os Verdes, por exemplo, sugerem à Alemanha que crie uma linha de crédito no banco estatal de desenvolvimento KfW para pequenas e médias empresas italianas.
Estamos todos no mesmo barco, comenta o politólogo Manuel Becker.
De uma ponta à outra da Europa, as pessoas têm ido para as janelas aplaudir médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de saúde que têm ajudado no combate ao novo coronavírus.
Nuns países mais, noutros menos, o dia-a-dia dos europeus mudou, com uma série de restrições. Como diz Manuel Becker, "o vírus não escolhe países e não distingue entre ricos e pobres. Está em todo o lado".
É também por isso que muitos continuam sem perceber porque é que os líderes europeus têm demorado tanto tempo a chegar a um consenso sobre o que fazer. O politólogo alemão está otimista: é possível mais cooperação.