​“Está na hora de rever o modelo de acolhimento de idosos”
21-04-2020 - 15:00
 • Ângela Roque

Diretor do Centro Social e Paroquial de Arroios, em Lisboa, diz que o Estado acordou tarde para a “bomba relógio dos lares” e que estes equipamentos não podem continuar só na alçada da Segurança Social, devem também ser tutelados pelo Ministério da Saúde.

Situado numa das freguesias mais envelhecidas de Lisboa, o Centro Social e Paroquial de S. Jorge de Arroios tem sido pioneiro na resposta às necessidades da população idosa: foi o primeiro a garantir um serviço de apoio domiciliário 24 horas por dia, tem há vários anos uma linha de atendimento SOS, dinamizou as "Repúblicas Séniores" e, mais recentemente, criou um "Centro de Noite". Com a pandemia, teve de reajustar serviços, sempre com a preocupação de “não deixar ninguém para trás” entre os mais de 170 idosos que acompanha habitualmente nas várias valências.

Em declarações à Renascença, o diretor do centro, Pedro Raul Cardoso, diz que, até agora, ninguém adoeceu com Covid-19, talvez porque atuaram sempre de forma preventiva. “Apanhámos grandes sustos, mas nenhum deles se verificou. Em qualquer situação de sintoma, o que fizemos foi mandar logo os colaboradores de contingência para casa, esperando que fizessem o teste, que desse negativo, mas ficando à mesma os 14 dias em casa”, conta.

O plano de contingência foi feito com a ajuda do médico e do enfermeiro do centro e começou-se cedo a reorganizar os vários serviços. “A partir de 12 de março, começámos a suspender parcialmente: primeiro as pessoas mais autónomas e, depois, as pessoas mais dependentes. Quando saiu o decreto do governo, já tínhamos as 70 pessoas do Centro de Dia todas em casa, acompanhadas”. Ou seja, praticamente duplicaram o serviço de apoio domiciliário.,

Para os idosos sem retaguarda familiar, aumentaram o acolhimento. “Informámos a Segurança Social de que o espaço que tínhamos para o Centro de Noite seria transitoriamente uma resposta análoga a um Lar, e que iríamos colocar mais camas para poder socorrer estas pessoas que não tinham qualquer tipo de rede de suporte. Num apartamento que nos cederam colocámos mais 3 pessoas idosas, a quem prestamos os cuidados 24 sobre 24 horas. Neste momento, no Centro de Noite e no apartamento temos um total de 15 pessoas”.

Mas, a falta de pessoal foi um problema. “No apoio domiciliário tivemos dificuldades logo no início, porque vimo-nos confrontados com baixas médicas de um número considerável de colaboradores, outros tiveram de ficar em casa com os filhos. Foi muito, muito complicado”, conta, elogiando os que conseguiram manter-se ao serviço. “Atingiram aqui um estatuto de heroicidade, porque abraçaram esta causa com grande responsabilidade, com grande sentido do outro”.

Para garantir que nenhum idoso ficaria à sua sorte, tiveram de pedir ajuda ao Estado para conseguir colaboradores. “Contactámos o IEFP (Instituto de Emprego e Formação Profissional), ao abrigo daquela medida extraordinária de apoio aos cuidados às pessoas mais velhas, e 24 horas depois já tínhamos 8 pessoas, que foi o reforço que nós pedimos”.

“Não somos só resposta social, também prestamos cuidados de saúde”

Apesar da resposta rápida do IEFP, Pedro Raul Cardoso não esconde as críticas ao Estado. “Não olhou para a 'bomba-relógio' que tinha a ver com os lares, só percebeu quando apareceram os primeiros infetados num lar do norte. E ainda se responsabilizam os diretores técnicos pelos planos de contingência! Nós não temos competência científica para isso”, afirma, defendendo que, se há lição a tirar para o futuro, é a de que as estruturas que acolhem idosos têm de ser tuteladas pela Segurança Social, mas também pelo Ministério da Saúde.

“Os centros de dia e os apoios domiciliários não são só para mudar fraldas ou dar sopa às pessoas mais velhas. Temos de acompanhar a medicação, de fazer estimulação das pessoas”, diz este responsável, dando como exemplo o Centro Social que dirige, que até tem médico e enfermeiro, mas isso nem sequer é obrigatório, quando há cada vez mais idosos com patologias que é preciso saber cuidar.

“Não somos só resposta social, também prestamos cuidados de saúde. Temos cada vez mais pessoas com demências e outros problemas de saúde. Nós aqui temos médico, temos enfermeiro, mas é um esforço financeiro, e nem sequer está previsto, numa resposta de Centro de Dia ou de apoio domiciliário, a existência, no quadro de pessoal, de médico e enfermeiro”, refere, sublinhando que “este é o momento de fazermos uma enorme reflexão sobre que modelo é que queremos para acompanhar as pessoas mais velhas, porque de facto o Ministério da Saúde e o Ministério da Segurança Social têm que estar aliados no acompanhamento, na comparticipação financeira a este tipo de equipamentos”.

Uma ajuda preciosa por estes dias continua a ser a da linha telefónica SOS que existe no Centro Social e Paroquial de Arroios há vários anos, através da qual conseguem detetar e responder a situações urgentes dos utentes.

“Já tivemos quedas em casa, temos pessoas que já estão saturadas de estar confinadas, e que têm de ter algum conforto emocional também”. E é a este nível que sente mais dificuldade em garantir o que as pessoas precisam. “Há aqui um cuidado que nós não conseguimos ter, que é o cuidado dos afetos, e os afetos não se cuidam à distância. Ainda que telefonemos todos os dias, mais do que uma vez ao dia, e que vamos prestar apoio na alimentação, há aqui uma relação de afeto que está suspensa, e isto é o mais difícil de gerir."