O bispo do Porto convidou a diocese a viver uma “Quaresma penitencial” na preparação para a próxima Páscoa, tendo em particular atenção os “crimes repugnantes” de abuso sexual de menores.
“A recente publicação do relatório sobre o abuso sexual no seio da Igreja Católica veio demonstrar uma tristíssima realidade: a de que alguns padres e leigos pastoralmente empenhados cometeram crimes repugnantes, causaram imenso sofrimento às vítimas e, com o seu pecado, mancharam a face da Igreja e desacreditaram-na perante algumas parcelas da sociedade”, escreve D. Manuel Linda, numa mensagem divulgada esta quarta-feira.
A 13 de fevereiro, em Lisboa, a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal, designada pela Conferência Episcopal Portuguesa, apresentou o seu relatório final, no qual validou 512 testemunhos, apontando a um número de 4.815 vítimas, entre 1950 e 2022.
Para D. Manuel Linda, “infelizmente, não é este o único mal que pode ser imputado aos crentes”.
“Como parte da sociedade civil mais vasta, muitos outros batizados terão contribuído para o chamado ‘pecado estrutural’ e consequente abaixamento do tónus moral geral”, apontou o responsável católico.
O bispo do Porto aponta o dedo a atitudes que permitem a “corrupção, concordância com diversas tonalidades de xenofobia e de racismo, exploração sexual de vítimas de redes internacionais, imposição de trabalho semiescravo, violência e agressividade familiar, abandono dos mais velhos e despreocupação com as carências dos vizinhos”.
"Há cristãos que vivem uma enorme doação a Deus e ao próximo. Mas também nos damos conta de que, com facilidade, arranjamos desculpa para não cumprirmos os nossos deveres religiosos, para não participarmos na vida da Igreja nem cultivarmos a fé, para não rezar nem seguir as vias da espiritualidade."
A Quaresma é um tempo litúrgico, de 40 dias (a contagem exclui os domingos), que tem início com a celebração de Cinzas (22 de fevereiro, em 2023), marcado por apelos ao jejum, partilha e penitência; serve de preparação para a Páscoa, a principal festa do calendário cristão (este ano a 9 de abril).
D. Manuel Linda desafia as comunidades católicas da Diocese do Porto a “viver esta Quaresma de 2023 em perspetiva penitencial ou de conversão.”
“Na relação com Deus, convido ao regresso à prática religiosa, se for o caso, ou a uma dimensão sempre mais interior e sentida da vida espiritual. Sem desprezar a confissão e as tradicionais práticas da abstinência e do jejum”, indica.
O bispo do Porto sublinha a importância de “atitudes de justiça, de solidariedade comprometida”, com a “partilha fraterna de bens”.
A mensagem quaresmal apresenta o destino da renúncia quaresmal e do contributo penitencial, que vão ajudar quatro projetos.
O primeiro é o Centro de Promoção Social “Renascer Pra Esperança”, de Chirrundzo (Província de Gaza, Moçambique), que acolhe 107 crianças com idades compreendidas entre os 2 e os 16 anos, sinalizadas à base de critérios de pobreza extrema, abandono, orfandade ou doença.
Os donativos vão também auxiliar a associação laical “Muchachos solidários”, de Quito (capital do Equador) que alimenta e fornece material escolar a cerca de 200 crianças filhas de famílias muito pobres que vivem do comércio informal nas ruas.
A renúncia quaresmal é uma prática em que os fiéis abdicam da compra de bens adquiridos habitualmente noutras épocas do ano, reservando o dinheiro para finalidades especificadas pelo bispo da sua diocese.
Os católicos do Porto vão também reforçar um Fundo de Apoio a Jovens de países de terceiro mundo, mormente das Igrejas irmãs de África que falam o português, na preparação próxima para a Jornada Mundial da Juventude 2023.
O quarto destino anunciado por D. Manuel Linda é o Fundo de Solidariedade da Diocese do Porto, para responder a “vários pedidos lancinantes de ajuda (do estrangeiro), quase sempre motivados por cataclismos ou desastres naturais”.