Com uma avalancha de processos judiciais à vista, são muitas as vozes que pedem uma alteração à lei do alojamento local. As várias partes do processo, ouvidas pelo programa de Informação da Renascença Em Nome da Lei, concordam que a mais alta instância judicial veio criar um problema que só o legislador pode resolver. A Iniciativa liberal já entregou um projeto de lei.
Um acórdão recente do Supremo Tribunal de Justiça decidiu que num prédio de habitação permanente não pode haver alojamento local, ou seja, qualquer condómino pode agora recorrer aos tribunais, sem precisar de ter de provar que o alojamento local causa perturbação no normal funcionamento do prédio.
O presidente da Associação de Alojamento Local, Eduardo Miranda, diz que o acórdão é uma ameaça ao turismo em geral e até ao comércio local e lembra que o alojamento local já representa quase metade das dormidas em Portugal.
“O alojamento local em Portugal representa 41% das dormidas. Em Lisboa, já sabíamos por causa da taxa turística, representa 47, quase 50%. No Porto, ultrapassa os 50%. Ou seja, um erro aqui, por uma desproporcionalidade, pode matar não o alojamento local, mas o turismo”, alerta Eduardo Miranda.
E, segundo o responsável, não está em causa apenas o turismo, mas, sim, grande parte da atividade económica. “Cada euro gasto por um alojamento local é gasto o dobro no comércio local. Portanto, eu posso estar a matar o talho ao lado, a farmácia. Agora, isso não significa de todo, e não tem que significar, que, por causa dessa questão económica, eu vá deixar de lado os interesses e os direitos dos condóminos”, acrescenta.
Eduardo Miranda argumenta que “70 por cento do alojamento local até está fora de Lisboa e Porto, e sobretudo em condomínios de segunda habitação”. Classifica a decisão do Supremo “como desproporcionada, porque parte do princípio de que o alojamento local e a habitação permanentes não são compatíveis, o que não é verdade”. E a prova de que isso não é verdade é que ,seja pela via judicial seja pela reclamação junto das Câmaras Municipais, o número de litígios entre condóminos e o alojamento local é irrelevante.
”Os casos em tribunal foram escassos .Tivemos 15 ou 20 casos, dois dos quais 2 chegaram ao Supremo. As oposições ,que são muito mais simples, basta uma decisão nesse sentido da maioria dos condóminos, não tem formalismos ,não é preciso contratar um advogado, não tem custos, eu tenho conhecimento de cerca de 20 em Lisboa e outros tantos no Porto e 50 ou 60 a nível nacional. Isso quer dizer o quê? Que sim, acontecem confusões, porque os condomínios são dados a conflitos, mas para chegar a um ponto grave, em que eu quero o cancelamento ou ir para tribunal, proporcionalmente isso tem sido irrelevante.”
Até agora, os conflitos entre os condóminos e as unidades de alojamento local resultam sobretudo “de questões de ruído ou má utilização das partes comuns” explica o presidente da Associação de Empresas de Gestão e Administração de Condomínios. Vitor Amaral, acredita que a decisão judicial pode aumentar os conflitos entre vizinhos.
“Poderá ser mais um potenciador da conflitualidade normal entre condóminos e poder servir, em algumas relações de vizinhança que não são bem tratadas, dar argumento para, até, eventualmente, levar a tribunal”, sinaliza.
Vitor Amaral lembra que há 5 milhões de portugueses a viver em condomínios .E como basta um único condómino para desencadear um processo judicial contra o alojamento local, a solução que resta, diz Vitor Amaral, é mudar a lei.
E é isso mesmo que propõe a Iniciativa Liberal que no dia 22 apresentou na AR um projeto de lei. “Apenas uma pequena alteração, que não visa corrigir tudo aquilo que nós achamos que está errado e extremamente restritivo com a questão do alojamento local, mas apenas clarificar esta componente da lei, para que a situação possa continuar exatamente como até aqui”, explica Carlos Guimarães Pinto, defendendo que a lei deve garantir que o alojamento local possa continuar a ser explorado nos prédios, em propriedade horizontal.
O deputado e fundador do Iniciativa Liberal lembra que “são já mais de 60 mil os estabelecimentos de alojamento local. Antes da pandemia, já representavam mais de 10 milhões de dormidas. Além do mais, o sector democratizou as receitas do Turismo”. E por isso “ para que possa continuar a desenvolver-se, como antes do acórdão, é preciso clarificar a lei”. O deputado acredita que” isso acontecerá, seja pela aprovação do projeto de lei do Iniciativa Liberal, seja por iniciativa do Governo”.
Embora os juízes não sejam obrigados a seguir a posição do Supremo Tribunal, é fundamental clarificar a lei, entende o advogado da área do imobiliário, Manuel Alexandre Henriques.
“A ordem jurídica portuguesa, a meu ver bem, entende que nestes casos, digamos, de conflito entre orientações jurisprudenciais, como estamos aqui a ver, o próprio sistema obriga, neste caso, o Supremo Tribunal a ter uma decisão uniformizada. Agora, o juiz do tribunal também não está vinculado a seguir isto. É uma orientação para a boa aplicação do Direito, mas não é uma obrigação”, explica.
Estas são declarações ao programa “Em Nome da Lei” que é emitido aos sábados ao meio-dia e que, este sábado, vai debater o alojamento local. O programa fica também disponível nas plataformas de podcast e no agregador da Renascença, o Popcasts.pt.