A Associação Coração Silenciado, que representa as vítimas de abusos sexuais na Igreja Católica, contesta que as atribuições das compensações financeiras a todos os que foram alvo destes crimes sejam definidas caso a caso.
“Ao fazê-lo desta forma, está a incentivar a inveja entre as pessoas que venham a ser eventualmente compensadas. Depois, há outra coisa fundamental: não há nenhuma medida [para o sofrimento]. É incomensurável”, diz António Grosso, um dos representantes da associação, acrescentando que esta foi uma das questões levantadas na reunião que decorreu esta quinta-feira, em Coimbra, entre a Coração Silenciado e a presidência da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP).
De acordo com D. José Ornelas, presidente da CEP, o encontrou decorreu “num tom cordial”. “Acolhemos todas as sugestões”, diz à Renascença, referindo que a proposta da associação sobre a atribuição das compensações financeiras “vai ser objeto de ponderação”.
“Noutros países começou por se querer fazer uma atribuição comum, única para todos. Depois reviu-se esse processo a pedido das próprias vítimas. Até ao fim do ano, estamos a recolher os pedidos das pessoas que foram vítimas destes atos. Em conjunto, vão ser avaliados todos os processos, para se chegar a uma ponderação da forma de agir. Esse caminho não está ainda fechado”, sublinhou o também bispo de Leiria-Fátima.
A utilização dos dados recolhidos no estudo da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica – o grupo liderado por Pedro Strecht que investigou a dimensão do fenómeno em Portugal – foi outro dos assuntos que marcou o encontro.
De acordo com a Associação Coração Silenciado, que junta até agora "dezenas de vítimas", os testemunhos validados pela Comissão Independente deveriam poder ser usados no âmbito dos pedidos de compensação financeira.
Seria uma forma, segundo António Grosso, de evitar que estas pessoas tivessem de relatar de novos os crimes de que foram alvo. “Quando a Igreja criou a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais, pelos vistos – está demonstrado – não estava no plano acompanhar e ajudar as vítimas que viessem dar o seu testemunho”, sublinha.
Questionado pela Renascença, D. José Ornelas explica que muitos dos dados que constam do relatório da Comissão Independente foram recolhidos sob anonimato.
“Temos uma database, mas esses dados são números. Não tem nome de ninguém. Era objetivo mesmo não chegar à identificação de ninguém. Isso tem a ver com a proteção de dados. O que temos é uma caracterização deste tipo de dados, o tipo de abusos que foram cometidos, mas não temos essas descrições concretas”, diz o presidente da CEP, acrescentando que o objetivo do trabalho da Comissão Independente era “dar a conhecer o fenómeno dentro da Igreja”.