25 ago, 2017 - 12:28 • João Carlos Malta com Reuters
Numa manhã quente de Agosto, João Lourenço, um homem mais habituado ao ambiente dos quartéis e às portas fechadas dos gabinetes, subiu desajeitadamente a um palco para falar a milhares de apoiantes rurais.
Para a maioria da multidão que estava na acção de campanha do candidato do MPLA, transportada de aldeias vizinhas e equipadas de t-shirts vermelhas, o homem de rosto severo que tinham por diante não era mais do que um desconhecido, um homem calmo que viam como ministro da Defesa.
Mas isso irá mudar radicalmente. Vão passar a chamá-lo de Presidente. Esta sexta-feira, a Comissão Nacional Eleitoral anunciou que o MPLA venceu as eleições gerais em Angola com mais de 60% dos votos. Os resultados são provisórios, mas baseiam-se já em quase 98% dos votos.
Será o primeiro depois do consulado de 38 anos de José Eduardo dos Santos. Na altura em que o histórico líder do MPLA assumiu o poder, Jimmy Carter era Presidente dos Estados Unidos e Leonid Brezhnev mandava na então União Soviética.
Em comum com muitos dos líderes angolanos formados na União Soviética, a retórica de Lourenço é conservadora mesmo quando é da crise económica que fala.
"Há ainda muito para fazer", disse naquela manhã de Agosto no comício, encorajado com aplausos. "Vamos pôr-vos a trabalhar", disse ele, prometendo aumentar a produção àquela comunidade agrícola pobre. A economia será o tema dominante da acção política do novo Presidente.
Esta não é a primeira vez que este militar de carreira e historiador, pai de seis filhos, se perfila para suceder a José Eduardo dos Santos.
Em 2000, quando já era secretário-geral do MPLA há quase 20 anos e o "chefe", José Eduardo dos Santos, demonstrou publicamente que queria sair, Lourenço apresentou-se na corrida à sucessão. Mas Eduardo dos Santos não saiu e o agora Presidente ficou, até 2014, "sentado" no Parlamento como vice-presidente da Assembleia Nacional. Uma travessia do deserto.
As promessas e a ameaça do fantoche
Durante a campanha, João Lourenço prometeu combater a corrupção, diversificar a economia e atrair mais investimento, mas poucos sabem o que esperar deste homem de 63 anos, filho de uma costureira e de um enfermeiro.
Para muitos, a questão é a de quanta liberdade terá para fazer o que quer. José Eduardo dos Santos, a quem Lourenço chamou de “capitão” durante uma acção de campanha, acumulou enorme poder e uma grande fortuna familiar. E continuará a ter poder efectivo, pois permanecerá como líder do MPLA pelo menos até 2018.
Os que conhecem o novo Presidente dizem que Lourenço pode ser uma pessoa com um perfil discreto, mas não será um fantoche. Ele que é um amante de um bom jogo de xadrez.
"É um homem de convicções", disse João Melo, membro do MPLA que trabalhou com Lourenço em várias comissões parlamentares. "Ele representa a mudança e a mudança é absolutamente vital para a sobrevivência a longo prazo do MPLA."
João Lourenço, um poliglota (fala quatro línguas: português, russo, inglês e espanhol), terá de se ver a braços com um país envolto numa teia de corrupção e uma profunda crise económica que está a colocar uma intensa pressão sobre o Movimento Popular de Libertação de Angola, que lidera o país confortavelmente desde o fim da guerra civil em 2002.
A economia a ameaçar
Depois de anos de rápido crescimento, a economia do segundo maior produtor de petróleo de África caiu 3,6% no ano passado. A queda do preço do barril de petróleo para a casa dos 30 euros, quando há poucos anos valia 100 euros, criou desequilíbrios enormes na sociedade angolana.
A estrutura económica de um país completamente dependente do petróleo não ajudará a uma solução.
O desemprego está oficialmente em mais de 20%. A escassez de moeda estrangeira devido à queda dos preços do petróleo tem forçado as empresas a reduzir as operações em Angola.
Em entrevista à Deutsche Welle África, questionado sobre as dificuldades económicas que o país atravessa, Lourenço não enjeitou um pedido de ajuda externo.
"Angola está a atravessar uma situação económica e financeira difícil, decorrente da baixa do petróleo. Vamos recorrer às instâncias existentes. Não está posta de lado a possibilidade de negociar, por exemplo, com o Banco Mundial ou com o Fundo Monetário Internacional", revelou.
Trará mudanças?
No seio dos reformadores há a esperança de que Lourenço possa trazer mudanças. Mas ele é, sem dúvida, da velha guarda. Juntou-se ao MPLA como combatente com pouco mais de 20 anos quando o país conquistou a independência de Portugal.
Natural do Lobito, Benguela, passou a estudar estratégia militar e história na União Soviética no final dos anos de 1970, antes de voltar ao país durante a guerra civil. "Disciplinado" é uma palavra frequentemente utilizada para descrevê-lo. Outra característica: ele raramente sorri.
A política económica deve ficar a cargo da mulher, Ana Dias Lourenço, uma ex-ministra do Planeamento que trabalhou até há pouco tempo no Banco Mundial. É expectável que a influência da mulher seja grande no futuro executivo.
A corrupção
Lourenço tem feito da corrupção um tema da campanha, criticando o pagamento de subornos, algo tão enraizado na sociedade angolana que as pessoas se referem ao fenómeno como algo tão normal como beber uma gasosa.
Com isto em mente, em Junho, João Lourenço disse num comício que era hora de "colocar sal na bebida suave."
A corrupção desenfreada é um drama em Angola, tal como a enorme desigualdade. A Transparência Internacional classifica o país como o 164.º mais corrupto num total de 176.
Como governador da província de Benguela entre 1987 e 1990, Lourenço reprimiu a corrupção, mandando prender membros de próprio partido.
Apesar de sobre João Lourenço não pender nenhuma acusação judicial, em entrevista ao "Público", o activista e jornalista angolano Rafael Marques garante que tem a sua própria caixa multibanco em casa.
"É um dos maiores latifundiários do país, enquanto ministro da Defesa vendeu produtos imaginários e reais das suas fazendas ao Ministério da Defesa, é sócio do banco SOL, do Banco Angolano de Investimentos. Tem uma caixa multibanco na sua casa, assim escusa de ir ao banco, e com ele não há 'day after'", afirmou Rafael Marques.
As dúvidas permanecem sobre se João Lourenço terá a força para ir atrás de figuras importantes do partido. De momento, parece ter as mãos amarradas: uma lei recente concede imunidade a Eduardo dos Santos, enquanto outra legislação protege os funcionários militares e outros oficiais.
A família de José Eduardo dos Santos é ainda proeminente dentro da sociedade e economia angolanas, com a filha, Isabel, a liderar a Sonangol, produtora nacional de petróleo, e o filho José Filomeno a chefiar um fundo de investimento estatal.
A Deutsche Welle África perguntou a João Lourenço se vai, de facto, ter as rédeas do poder nas suas próprias mãos ou se a família dos Santos vai continuar a reclamar pelo menos parte do poder. O agora Presidente respondeu: "Eu acho que vou ter o poder. Só não teria todo o poder se houvesse dois Presidentes da República. Estas eleições vão eleger apenas um Presidente da República".
José Eduardo dos Santos já classificou a vitória de João Lourenço como “nossa” e do MPLA.