30 ago, 2017 - 06:26 • João Carlos Malta
A tragédia dos fogos de Pedrógão Grande, que matou 64 pessoas e feriu 250, já teve uma consequência imediata: os portugueses estão mais atentos à falta de limpeza dos terrenos e fazem mais queixas à GNR. No mês a seguir à catástrofe, quadruplicou o número de denúncias feitas àquela força de segurança, comparativamente com os 30 dias anteriores.
“O factor principal terá sido Pedrógão Grande, contudo não podemos esquecer que nesta altura também se registaram bastantes ocorrências diárias em termos de incêndios florestais”, explica o chefe do Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) da GNR, o major Ricardo Alves.
Segundo os dados da GNR, a que a Renascença teve acesso, verifica-se que entre 18 de Junho e 15 de Julho deste ano foram feitas 1.455 denúncias por falta de limpeza de terrenos. Entre 15 de Maio e 17 de Junho (dia do fogo de Pedrógão) apenas tinham dado entrada 371 queixas.
O responsável da GNR elucida que a lei que enquadra a limpeza florestal apenas se aplica a terrenos que fiquem a dez metros das estradas, de uma linha de comboio ou de uma rede de transporte de energia, ou a 50 metros de casas, 100 metros de aglomerados ou infra-estruturas.
Aos proprietários de todos os outros terrenos não é possível aplicar coima, mesmo que não haja limpeza. Uma limitação na prevenção dos incêndios e da sua dimensão? “Neste campo sim. E temos de perceber, no caso de muitos proprietários, se o investimento feito na limpeza depois tem o devido retorno económico”, explica Ricardo Alves.
O mesmo responsável defende que esta é uma situação que contribuiu para aumentar a dimensão dos fogos e que “é algo que tem de ser equacionado” por quem legisla.
Quinze denúncias por dia
Se a comparação for feita com o mesmo período dos últimos dois anos, ou seja, entre 18 de Junho e 15 de Julho, vemos que em 2015 e 2016 os números são três vezes mais baixos do que este ano (443 e 567, respectivamente).
Em média, este ano, a GNR recebeu até 15 de Agosto cerca de 15 denúncias diárias por este motivo, o que compara com uma média de 10 queixas no ano passado.
O fogo que arrasou com 43.201 hectares de floresta (43 mil campos de futebol ou 4,3 vezes a cidade de Lisboa) contribuiu para sensibilizar os portugueses para a importância da limpeza dos terrenos. “Esse dado é inegável: sempre que uma ocorrência é bastante publicitada nos meios de comunicação social há um aumento do número de denúncias”, explica o major Alves.
A tendência para que, depois de um grande fogo, a população fique mais alerta para a falta de limpeza dos terrenos já se verificou também no ano passado. Depois do grande fogo nos concelhos de Arouca e de Vale de Cambra, no início de Agosto de 2016, as estatísticas das denúncias apresentam um pico, duplicando os números do mês anterior.
Multa em 30% dos casos
Mas se analisarmos o número de contra-ordenações que estas denúncias motivam, verifica-se que, no ano passado e este ano até 15 de Agosto, somente 30% dos casos culmina numa multa. Em 2015, os dados são bastante diferentes: sete em cada 10 denúncias resultaram em contra-ordenação.
O responsável da GNR explica este desajustamento entre queixas e multas. O major Alves diz que os terrenos inseridos em zonas urbanas não estão abrangidos pelo decreto de lei 124º, que regula a gestão da limpeza de terrenos. Nesses casos, “a violação é apenas ao regulamento municipal”.
“Noutros casos, são terrenos inseridos em meios florestais que não estão directamente ligados à rede viária, ferroviária, ou rede eléctrica, ou perto de habitações ou com outro tipo de edificação que impõe a gestão de combustível”, sublinha.
Mato por tratar ao pé das estradas com poucas multas e o caso de Pedrógão
Não cumprir as regras de limpeza a 50 metros à volta de uma edificação é a razão pela qual mais pessoas são multadas – representa entre 80 a 90% dos casos de multa entre 2015 e 15 de Agosto de 2017.
Já a falta de cumprimento das regras nas imediações das estradas não valem mais de 1% a 2% no período em análise.
O major Ricardo Alves indica uma das razões que pode explicar esta baixa taxa de contra-ordenações pelo incumprimento da lei junto às estradas. “O artigo 15º, que impõe a limpeza de combustível à volta da rede viária, ferroviária e rede de distribuição de energia eléctrica, pressupõe a existência de um plano municipal de defesa da floresta aprovado. Se não houver, não há levantamento de auto. É o caso de Pedrógão Grande, onde o plano municipal não estava aprovado”, lembra.
Na Estrada Nacional 236-1 morreram 47 das 64 vítimas e "foi visível nas bermas a falta de gestão de combustível tal e qual o que está escrito na lei, a 10 metros para cada lado da via. Mas não havendo o plano municipal de gestão das florestas não havia lugar à cobrança de infracções. É uma parte da explicação para o que aconteceu”, resume.
Logo depois do fogo de Pedrógão, o especialista em fogos florestais Domingos Xavier Viegas apontava velhos problemas.
“Muitas dessas áreas rurais tornaram-se paisagens propensas à ocorrência de incêndios de grande intensidade, devido aos elevados níveis de biomassa, acumulados ao longo dos anos e prontos para alimentar fogos catastróficos durante o Verão”, refere o investigador num trabalho académico.
As causas
Olhando especificamente para o incêndio de Pedrógão Grande, Xavier Viegas disse, à Lusa, que a falta de limpeza das florestas e da envolvente das casas, bem como as características do terreno, com um “estado de secura muito grande”, terão contribuído para a extensão deste incêndio com vários focos.
Antes, também a Protecção Civil apontava para um risco de incêndio maior que obriga a áreas de protecção de 50 metros em torno de habitações e 10 metros nas estradas, e falava de incumprimento das regras.
"Há falta de cumprimento com as áreas de protecção, quer de vias, quer de habitações", disse, pouco depois da catástrofe, o chefe da Divisão de Verificação e Fiscalização (DVF) na área da segurança contra riscos de incêndios em edifícios da Protecção Civil, Carlos Souto.
Ainda assim, segundo os dados da GNR, o número anual de queixas por falta de limpeza cresceu 41% em 2016 em relação a 2015, para um total de 3811. Este ano, até 15 de Agosto já há 3.364 queixas, o que leva a crer que este valor possa novamente subir.
As coimas para punir as infracções vão dos 140 euros para pessoas singulares a 5 mil euros para particulares e dos 800 euros a 60 mil euros para pessoas colectivas.
Quando a coima é passada ao proprietário, o auto é enviado em triplicado e uma das cópias é enviada para a autarquia. As câmaras podem depois substituir-se aos proprietários que são notificados e não limpam num prazo de 20 dias. Posteriormente, devem ser ressarcidas.
Apesar das coimas, a falta de limpeza dos terrenos continua a ser apontado como um dos principais problemas quando se fala de fogos florestais. O major Alves reitera que isso acontece, por um lado, porque determinados terrenos não têm a imposição legal de limpeza do combustível. Mas também porque mesmo os que têm essa obrigação não o fazem.
O responsável do SEPNA explica porquê: “Num terreno de um ou dois hectares, que é a média no Centro e Norte, os encargos resultantes com a limpeza situam-se nos 500 euros. A infracção para a falta de gestão combustível é de 140 euros.”
“Há um benefício da infracção devido aos encargos com a limpeza do terreno”, remata.