13 jan, 2016 - 16:27 • Catarina Santos com Isabel Pacheco
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Chuva e nevoeiro entre as curvas da serra. O ambiente carregado na estrada da caravana "SNAP – Sampaio da Nóvoa A Presidente", que começou o caminho para as Presidenciais num interior fustigado pela intempérie, acentuou a dramatização do cenário – e do discurso.
António Sampaio da Nóvoa entra em cena entre as palmas de quase 200 convivas, com o "speaker" a citar D. Afonso Henriques no primeiro foral de Seia, de 1136. "Que nenhum homem venda o seu cavalo, ou mula, ou asno, ou égua, ou bens ao senhor da terra sem querer", ouve-se nas colunas do restaurante, para logo se acrescentar que "é disso que estamos a falar, de liberdade".
Nóvoa aponta caminho para lá dos montes. "Vai ser uma grande caminhada até ao dia 24 de Janeiro, e depois até ao dia 14 de Fevereiro, e depois até ao dia da posse em Belém a 9 de Março". No ar rodopiam bandeiras de Portugal, nos pratos rodopiam enchidos, entre as mesas rodopia o candidato.
Repete o número a cada almoço ou jantar comício – mesmo quando a sala se compõe de 600 pessoas, como aconteceria nessa noite em Viseu. Demora-se a passear pelas mesas, troca abraços e beijos, ouve palavras de incentivo, tira "selfies" e mantém um sorriso que lhe esconde os olhos entre duas linhas apertadas.
A curvatura ascendente dos lábios só desce quando o candidato sobe ao palco. Aí, é com tom sério e grave que discorre sobre a necessidade de "esperança", de "um tempo novo" que "una o país" em torno dos "pilares" da sua candidatura: "a causa do conhecimento e a causa da igualdade". E é dali de cima que faz mira aos alvos que definiu para a campanha: a abstenção e Marcelo Rebelo de Sousa – com Maria de Belém sempre no radar.
"Em futebol sou verde, em política vermelho"
Quando Nóvoa finalmente sai à rua e vê o sol espreitar, lê sinais de um país a ganhar interesse pela corrida presidencial. "Parece que de repente acordámos", dizia na inauguração da sede de campanha da Guarda, ficando no ar a referência ao efeito do debate que o colocou frente a frente com Marcelo Rebelo de Sousa.
A rua, essa, não antevê caminho fácil para "o barba branca". A expressão é de António Silva, antigo metalúrgico que ocupa lugar cativo no "canto dos reformados" de Oliveira de Azeméis. Estando tempo de chuva, os comentadores de bancada reúnem-se debaixo de uma varanda mesmo ao pé da nova sede de campanha de Sampaio da Nóvoa.
Atraídos pela azáfama mediática, vêem chegar as três Volkswagen Sharan que transportam o núcleo duro da candidatura SNAP e ficam por ali a comentar o movimento atípico. Esticam-lhe a mão quando cruza a esquina, em direcção a um café da praça, e explicam-lhe que ali "é onde se afiam as navalhas, para o bem e para o mal".
Mais tempo houvesse para a conversa e talvez se propusessem ensinar uns truques da arte ao candidato. "A campanha ainda não me chamou à atenção de nada", lamenta António Silva, simpatizante socialista que acredita que o partido errou "ao não perfilar um só candidato para o PS". Assim, vaticina, Maria de Belém e Sampaio da Nóvoa "vão-se matar um ao outro".
Outro metalúrgico reformado, Luís Filipe, acredita que ainda terá oportunidade de cumprir o que prometeu a Sampaio da Nóvoa: "Na segunda volta garanto-lhe que tem o meu voto". Para já, a escolha vai para Edgar Silva. "É o candidato do partido ao qual estou emocionalmente ligado desde que ainda estava na barriga da minha mãe", justifica, mas vê em Nóvoa "uma pessoa serena, com capacidade intelectual".
O breve encontro daquela manhã reforçou-lhe a impressão. "Assim, pessoalmente, fiquei ainda mais bem agradado. Acho que ele é um oásis no meio disto tudo".
Daquele lugar privilegiado de avaliação da opinião local, vêem, contudo, dificuldade em mudar o sentido de voto tradicional da cidade. "Aqui conta muito o poder do partidarismo, que desde o tempo destas árvores foi sempre PSD", atira António Silva. "É um feudo", concorda Luís Filipe. "Para Presidente da República não devia ser assim", mas a escolha é feita, dizem, "de uma maneira clubística".
Encostado um pouco mais ao lado, um antigo funcionário da câmara local admite que segue o mesmo princípio. "Em futebol sou verde, mas em política sou vermelho. É PS. Sempre foi". E por isso vai votar Nóvoa. "Lá em casa é tudo deste".
Sublinham que a notoriedade de Marcelo Rebelo de Sousa é difícil de bater ("é um indivíduo que soube preparar a coisa durante muitos anos") e que Nóvoa tem a clara desvantagem de ser menos conhecido ("se fosse um gajo aqui do nosso povo, de certeza que ia tudo pôr por ele"). Mas acreditam que, se uma eventual segunda volta limitar o confronto aos dois, Nóvoa conseguirá "unir a esquerda toda".
O candidato segue para uma visita à Santa Casa da Misericórdia local e a normalidade de um dia de semana regressa ao "canto dos reformados". "Deus queira que, se houver a segunda volta, venha aqui perguntar outra vez quem ganha". E, já agora, que da próxima o candidato venha "a um sábado ou a um domingo, para ter mais gente" a cumprimentá-lo.
Académico? "Sempre frequentei feiras e festas"
Entre olhares de soslaio e as clássicas acusações de que "são todos iguais", entre palavras de apoio ("você tem que ganhar isto; é o único senhor com "s" grande que lá está") e queixas de falta de brindes ("só foi pena que nem deu uma esferográfica, para eu apontar os caloteiros"), o baptismo de Sampaio da Nóvoa na feira de Espinho, no distrito de Aveiro, não destoou da cartilha que rege estes banhos de público em campanha.
Em passo algo acelerado, numa acção que começou fora de horas e ameaçava atrasar o apertado plano do resto do dia, Nóvoa circulou pelos corredores de grelos e couves, foices e camisolas, peixe e fruta, distribuindo sorrisos e cumprimentos num ziguezague para picar o ponto. Regra geral, os feirantes e clientes reconheciam o rosto do candidato, ainda que um ou outro demorasse a trazer o nome à ponta da língua.
No mesmo dia, de tarde, novo banho de gente em Aveiro, nas festas de São Gonçalinho, com o candidato a subir ao topo da igreja para atirar cavacas à multidão. Diz a tradição que quem atira faz uma promessa e quem apanha a cavaca fica com garantia de boa sorte se a guardar durante um ano. Nóvoa percorreu as bancas dos vendedores, ouviu queixas de que "isto não vai nada bem" e garantiu estar atento. Tudo conversas rápidas, de passagem, a terminarem invariavelmente num "tudo de bom" de parte a parte.
Nóvoa estava visivelmente contente. Questionado sobre o contraste daquela circunstância com a imagem de um homem fechado na academia, Nóvoa responde que essa é uma ideia errada que fazem dele. "Sempre frequentei muito tanto feiras como festas" e "estes são os meios em que eu sempre me senti melhor". Já o candidato se encaminhava para o carro e algumas dezenas de pessoas começam a gritar "Nóvoa a presidente".
O candidato não parou de se desdobrar em cumprimentos e autógrafos, atrasando o arranque da caravana – para desespero dos assessores (que são dois e não os seis apontados por Marcelo no debate com Nóvoa).
Um inimigo chamado tempo
Nos primeiros dois dias na estrada, Sampaio da Nóvoa inaugurou cinco sedes de campanha, visitou crianças e idosos, um parque dedicado à biotecnologia, mergulhou numa festa e numa feira, teve dois comícios. O programa é cheio e faz-se a correr.
Depois do ânimo reavivado nas vésperas da campanha, o maior inimigo do antigo reitor parece mesmo ser o tempo. Um receio admitido por vários apoiantes, que temem que duas semanas não sejam suficientes para espalhar a mensagem do candidato. "Sobretudo no interior, onde as pessoas estão muito arreigadas a certos poderes", desabafa Esmeralda Guerreiro, uma de mais de 600 pessoas que marcaram presença no jantar-comício de Viseu.
Depois de uma carreira como funcionária europeia em Bruxelas, há dois anos, Esmeralda voltou com o marido para a terra natal dos pais, na Serra de Montemuro. Nessa altura já tinha Sampaio da Nóvoa no radar.
"Comecei a gostar dele no 10 de Junho [de 2012]; ele fez um discurso que me agradou bastante". Apesar de ser militante de outro partido – que prefere não identificar –, Esmeralda considera que "este candidato é realmente o mais capaz para mudar qualquer coisa no nosso país", mas confessa recear que "já não haja tempo para elucidar as pessoas".
O mesmo problema identificado por Joaquim Sanches. Antigo professor de Sociologia, foi colega de Nóvoa em Paris e na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação de Lisboa e fez questão de marcar presença na sede de candidatura da Guarda.
"Sampaio da Nóvoa é visto aqui como o reitor da Universidade de Lisboa, é visto como um académico, e estão limitados a essa faceta, que não é de maneira nenhuma a única".
Quem não compra a tese da falta de notoriedade é Maximino Ambrósio, 68 anos, antigo funcionário da Inspecção Geral de Finanças e natural de Gouveia. Esteve no primeiro almoço de campanha, em Seia, para dar o seu apoio pessoalmente. "Lá em casa somos cinco e connosco há-de contar, sempre."
Maximino sempre se considerou "de esquerda" e "nunca poderia apoiar outra pessoa que não fosse aquela que dá continuidade ao legado de Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio".
Está convencido "que Marcelo cai à primeira ou cai à segunda" e pensa que "o facto de dizerem que Sampaio da Nóvoa não é conhecido é mais uma falácia do que outra coisa".
Admite que não tenha a notoriedade do candidato da direita, "que levou dez ou 15 anos a entrar-nos em casa sem pedir licença", mas diz que o seu candidato "veio a tempo" e que a campanha eleitoral será suficiente "para o dar a conhecer ao país".
As poucas sondagens que existem são terreno movediço para conclusões. O mais recente inquérito foi feito pela Aximage e indica uma tendência de subida de Sampaio da Nóvoa (tinha 15,3% em Novembro e 16,9% a 5 de Janeiro), descida de Marcelo Rebelo de Sousa (56,9% em Novembro, 52,9% em Janeiro) e de Maria de Belém (13,1% em Novembro, 11,8% este mês).
A prova dos nove faz-se a 24 de Janeiro.