25 jan, 2016 - 03:53 • João Carlos Malta , Joana Bourgard (fotos)
Veja também:
Puxemos a fita à frente da noite que consagrou Marcelo Rebelo de Sousa. O novo Presidente da República chega à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Centenas de pessoas acotovelam-se para poder tocar em Marcelo. Numa luta digna de titãs, há vencedores. “Pai, toquei no Marcelo. Yeaaaah. Yeees”, diz uma adolescente.
Uns passos ao lado a mesma alegria. “Dei um aperto de mão ao Presidente. Uaaaau”. Atrás, um sonoro entusiasta grita a plenos pulmões: “VIVA O PRESIDENTE DA REPÚBLICA”.
O momento era de tal exaltação que uma avó teve dificuldade em voltar para casa. Marcelo tinha conquistado o neto. “Vamos para casa e vemos o resto”. “Óóó avó, nãaaao. Ficamos e vemos aqui um bocadinho”.
Marcelo já ia lá à frente. A caminho do púlpito. Como em toda a campanha, nesta noite, escreveu o guião, realizou e foi o actor principal. Imprevisível como sempre, antes de chegar à Faculdade de Direito, ainda passou pela sede de campanha em Belém. Sem “entourage”, sem máquina, quase sem notáveis, havia ele, sempre ele.
Em delírio, uma sala em que estariam quase mil pessoas, sem que coubesse mais uma agulha, o novo Presidente devolveu o carinho e resumiu toda a campanha.
Marcelo lá fez o discurso de 20 minutos em que prometeu unir o país, jurou que os próximos cinco anos “não serão tempo perdido” e prometeu querer juntar a justiça social com o crescimento. Mas sempre com um olhar especial para os que mais precisam, “os mais pobres”.
A multidão estava ao rubro e irrompeu a entoar “MARCELO, MARCELO, MARCELO”. O “mestre de cerimónias” não quis que o culto do líder ecoasse tão alto e redefiniu o tom: “Portugal, Portugal, Portugal”.
Não há nada que resista ao professor, nem uma “Nódoa”
No meio da multidão, ainda tempo para um momento desconcertante. Numa pausa do discurso, ouviu-se na sala um sonoro “Viva o Rei”. O grito foi abafado de imediato, mas a bandeira azul e branca ainda foi desfraldada várias vezes.
Sem dissensões com o regime, Ana Paula Bettencourt, amiga de Marcelo vinda directamente da Linha de Cascais, cruzou-se com a Renascença duas vezes. Vamos primeiro à segunda. Ocorre no fim do discurso. “Eu não lhe disse? Ganhou e foi já!”, exclama Bettencourt. “Foi muito bom. Ele é um fora de série”, afirma de sorriso de orelha a orelha.
“Adoro este homem, escreva aí, não se esqueça”, invectivou. Duas horas antes tinha lamentado os ataques a Marcelo, sobretudo do professor “Nódoa”. A mesma “nódoa” foi o adjectivo que encontrou para catalogar o “acabado” Cavaco.
Pernas tremem, braços não param
Mas puxemos a fita atrás e voltemos ao primeiro momento de delírio na noite da Faculdade de Direito, em Lisboa. As pernas abanam, os braços não param. Começa a contagem decrescente. Seis, cinco, quatro, três, dois, uuuuum, zero. São 20 horas. Momento de suspense. “Marcelo Rebelo de Sousa é o novo Presidente”.
“Yiiiiiiiesss. Uuuuuh. Mar-ce-lo. Mar-ce-lo”. As cinco televisões dão os resultados, e uma começa a passar os festejos na sede de campanha. Eternizam o momento para Carlos Oliveira, de 63 anos, e Gonçalo Armindo, de 20 anos. Eles são os mais exuberantes. Saltam, gritam e explodem de felicidade.
“Foi a vitória mais importante que podia acontecer. É uma pessoa equilibrada, conhecedora, e pode fazer a diferença se for preciso uma intervenção mais forte”, analisa, já mais calmo, Carlos.
O jovem Gonçalo é agora a imagem da ponderação, quase da pose de Estado. “De todos os dez candidatos é a pessoa mais correcta e sensata que Portugal pode ter nos próximos cinco anos. Espero que esteja com os jovens e fale com os jovens”, defendeu.
Há alguns notáveis de PSD e CDS, como Duarte Pacheco, Leitão Amaro, Fernando Seara ou Telmo Correia. Estava também o empresário João Lagos e Pedro Rebelo de Sousa, irmão de Marcelo. Mas uma campanha em que as máquinas partidárias estiveram estacionadas, na noite eleitoral teve nos anónimos a maior força motriz.
O estudante que não percebe a diferença entre o voto inútil e não votar
Mais um salto cronológico para visitarmos os “outsiders” desta noite. No bar da universidade, fora do rebuliço da noite que Marcelo preparou – segundo alguns, durante dez anos, segundo ele nos últimos meses – está Miguel Ferreira. Tem 20 anos e está no terceiro ano do curso Direito. À frente tem os livros de Direito Comercial.
Porquê escolher um local para estudar em que a noite será tão agitada? “Estive aqui de manhã, sabia que isto ia ser aqui. É um evento em que o candidato Marcelo vai agradecer nesta faculdade a eleição, o que não me parece correcto. Mas achei piada à situação e queria perceber socialmente o que estava a acontecer”, explica Miguel.
E o que já percebeu? “As pessoas entretêm-se umas com as outras no típico beijar de mão de 2016”.
Foi votar? “Não votei, não votei”. Então? “Não havia nenhum candidato que pudesse votar que deixasse a minha consciência tranquila. Nem Marcelo, nem Sampaio da Nóvoa, Maria de Belém, Paulo Morais ou Tino de Rans”, enumerou.
E prosseguiu a justificação da sua abstenção. Primeiro, a tese. “Até hoje nunca ninguém me explicou a diferença entre um voto inútil e não votar, a não ser a satisfação de um dever cívico, que para mim é uma noção abstracta que não faz sentido na minha cabeça”.
Depois, uma razão monetária. “Decidi não fazer uma viagem às Caldas da Rainha. São 20 ou 30 euros para fazer uma cruz que não seria uma cruz, seria um desenho”, ilustra. Para no fim rematar: “Devíamos poder votar no local em que estudamos”.
“Selfies”, “likes” e o “Marcelo absoluto”
Também fora da confusão dos apoiantes, mas com uma vontade enorme de a observar estava Pedro Pinto. Todos os domingos passa na Cidade Universitária, ali mesmo ao lado, ponto obrigatório dos 40 quilómetros que percorre religiosamente.
Se normalmente a Alameda está deserta, na noite de domingo havia um “circo mediático” para admirar. “Gosto de ver o trabalho dos jornalistas. Olhe, até fizeram decoração das viaturas”, diz divertido. Mas os profissionais de comunicação social não tiveram a bênção de todos. “Estes gajos matam uma pessoa. São uns brutos. Vão embora, jornalistas!”, gritava uma senhora abalroada pelo rolo compressor composto por operadores de câmara, fotojornalistas e guarda-costas aquando da entrada do professor.
Façamos mais um malabarismo com o tempo, para voltar a colocar a acção no discurso de vitória de Marcelo. O novo Presidente tem tempo até para fazer citações que vão do Papa Francisco a Zeca Afonso. Marcelo faz o pleno. Foi absoluto. Foi uma coisa. Outra coisa. Tudo.
Marcelo sai de cena, porque agora o palco em que actuará será o de Belém. Abandona a Faculdade de Direito, mas ficam os pequenos “Marcelinhos”. Os sub-25. Ficam a tirar fotos e “selfies” no púlpito, uma imagem com grande potencial “like” no Facebook.
Já o novo Presidente de quem mais de 50% dos portugueses gostaram vai agora ter cinco anos para tentar deixar na memória muitas imagens que lhe valham mais afectos. Até lá, Marcelo deverá continuar a escrever, a realizar e interpretar o seu guião.